A Hortaliça – #100

Posted: 11th novembro 2024 by Vanessa Barbara in Hortaliças
Capa de disco: Simon & Garfunkão

Quando enfim revelamos nossos propósitos

#100 – São Paulo, 10 de novembro de 2024
É muita folha para pouco legume
Edição de luxo com encadernação em couve
www.hortifruti.org

Na falta de um outro mérito, haverá o da paciência.
(Gustave Flaubert)

“A plateia comendo amendoins
Se aglomera para ver”
(Sylvia Plath)

:: EDITORIAL :

E finalmente chegamos à edição número 100. Quando criamos este periódico, mal podíamos imaginar que vinte e dois anos depois estaríamos exatamente no mesmo lugar: balançando os pés num banquinho realmente alto, empurrando as cutículas com uma chave de fenda e esperando algo coerente cair do teto, com as patas bem abertas, para devolver o bom senso que se perdeu algum dia.

Escolhemos um clickbait como subtítulo só para atrair mais leitores, mas a verdade é que nossos propósitos continuam os mesmos. Não mudaram em nada nessas últimas duas décadas: de longe, dá para ver que continuam iguais. São muitos, e bastante variados. Contam-se às dezenas. Difícil lembrar quais são.

Agradecemos a todos os assinantes e doadores que colaboram financeiramente para manter o viço deste periódico, a despeito de nosso comportamento errático e citações cada vez mais fora de contexto. Agradecemos também a quem colabora enviando trechos absurdos das fontes mais questionáveis. Continuem com o ótimo trabalho. O reino dos céus será dos generosos (e daqueles que gostam de sapoti).

O e-mail de contato e a chave pix continua igual: vmbarbara@yahoo.com.

Esta edição é dedicada a Barbara Ehrenreich, por quem estamos absolutamente obcecados.


:: EXCESSO DE TEMPO LIVRE ::
Barbara Ehrenreich, Nickel and Dimed: Undercover in Low-Wage USA

Os e-mails e mensagens telefônicas destinados ao meu eu antigo vêm de uma raça distante de pessoas com preocupações exóticas e um excesso de tempo livre.

[The e-mails and phone messages addressed to my former self come from a distant race of people with exotic concerns and far too much time on their hands.]


:: ESCÂNDALO ::
W. David Marx, Status and Culture

Em uma certa época, no Reino Unido, os homens que ousavam usar guarda-chuvas “eram tão malvistos que chegavam a ser perseguidos nas ruas”.

[at a certain time in the United Kingdom, men who dared use umbrellas “were so ill thought of that they were persecuted in the streets.”]


:: IMPORTUNAÇÃO INSUPORTÁVEL ::

Kim Brooks, A Portrait of the Artist As a Young Mom

Byron teria dormido com 200 mulheres no decorrer de um ano, declarando, depois que sua esposa deu à luz o primeiro filho, que ele estava no inferno, e então engravidou a meia-irmã dela. Baudelaire ansiava por escapar da “importunação insuportável das mulheres com quem vivo”. Verlaine tentou atear fogo em sua esposa. Hemingway se casou com quatro mulheres e, após uma das cerimônias, teria pedido a um barman um copo de cicuta. A filha de 12 anos de Faulkner certa vez pediu para ele não beber no aniversário dela, e ele se recusou, dizendo: “Ninguém se lembra dos filhos de Shakespeare”.

[Byron is reported to have slept with 200 women in the course of one year, declaring after his wife gave birth to his first child that he was in hell, then impregnating his half-sister. Baudelaire longed for escape from “the unendurable pestering of the women I live with.” Verlaine tried to light his wife on fire. Hemingway married four women and after one ceremony reportedly asked a bartender for a glass of hemlock. Faulkner’s 12-year-old daughter once asked him to not drink on her birthday, and he refused, telling her, “No one remembers Shakespeare’s children.”]


:: INDIGNIDADES ::
Barbara Ehrenreich, Nickel and Dimed

Se [os chefes] o fizerem sentir indigno o suficiente, você poderá chegar a pensar que o que lhe pagam é o que você realmente vale.

[If you’re made to feel unworthy enough, you may come to think that what you’re paid is what you are actually worth.]


:: O PATRONO DA HORTALIÇA ::

Gustave Flaubert, Cartas exemplares

A Louise Colet
Novembro 1851

É bonito ser um grande escritor, ter os homens na frigideira de sua frase e fazê-los saltitar como castanhas. 


:: LADRÕES DE TEMPO ::
Barbara Ehrenreich, Nickel and Dimed
Sobre seu emprego no Wal-Mart

Nada de piercings no nariz ou outras joias faciais, aprendemos; brincos devem ser pequenos e discretos, não pendurados; nada de jeans azul, exceto às sextas-feiras, e aí você precisa pagar um dólar pelo privilégio de usá-los. Nada de “pastar”, isto é, comer de embalagens de alimentos que de alguma forma se abriram; nada de “roubo de tempo”. Este último me faz divagar no rumo da ficção científica: “E enquanto os ladrões de tempo retornavam ao ano 3420, carregados de fins de semana e dias de folga saqueados do século XXI”…

[No nose or other facial jewelry, we learn; earrings must be small and discreet, not dangling; no blue jeans except on Friday, and then you have to pay $1 for the privilege of wearing them. No “grazing,” that is, eating from food packages that somehow become open; no “time theft.” This last sends me drifting off in a sci-fi direction: And as the time thieves headed back to the year 3420, loaded with weekends and days off looted from the twenty-first century…]


:: CIPRESTE PIRAMIDAL ::
Gustave Flaubert, Cartas exemplares

A Jules Duplan
10-11 maio 1857

Estou prestes a ler uma memória de 400 páginas sobre o cipreste piramidal, porque há ciprestes no pátio do templo de Astarté; isto basta para lhe dar uma ideia do resto.

:: A MÃE DE TODAS AS BIBLIOTECAS ::
Sci-Hub, LibGen e ZLib entraram num bar

Me disseram que cinco dos meus onze livros estão lá.
https://annas-archive.org/


:: ACOMPANHAMENTO ::
Barbara Ehrenreich, Nickel and Dimed

Eu fico amiga de Timmy, o garoto branco de quatorze anos que ajuda os garçons à noite, dizendo que não gosto que as pessoas coloquem seus assentos de bebê em cima das mesas: isso faz com que o bebê pareça um acompanhamento do prato principal.

[I bond with Timmy, the fourteen-year-old white kid who buses at night, by telling him I don’t like people putting their baby seats right on the tables: it makes the baby look too much like a side dish.]


:: ÓBVIO ::
Sidarta Ribeiro, O oráculo da noite

“Que parte de p menor do que 0,05 corrigido para Bonferroni você não entendeu?” 


:: PENTEADOS ::

W. David Marx, Status and Culture

O filósofo Montesquieu observou, no século XVIII: “Os penteados das mulheres estão subindo cada vez mais, até que uma revolução os derrube novamente. Houve um tempo em que, devido à enorme altura de seu penteado, o rosto de uma mulher ficava no meio do corpo. Em outra época, seus pés ocupavam a mesma posição.”

[The philosopher Montesquieu observed in the eighteenth century, “Women’s hairstyles gradually go up and up, until a revolution brings them down again. There was a time when because of their enormous height a woman’s face was in the middle of her body. At another time her feet occupied the same position.”]


:: TÃO DISTRAÍDO ::
Ruth Franklin, Shirley Jackson: A Rather Haunted Life

Sobre o livreiro Louis Scher:

Tão distraído que dizem que, certa vez, ele teria embrulhado a própria mão em um pacote de livros.

[So absentminded that he was said to have once wrapped up his own hand in a package of books.]


:: TÃO CANSADA ::
Sarah Manguso, Ongoingness

Esperando o bebê mamar ou parar de mamar ou arrotar ou soltar gases ou cocô líquido amarelo, eu adiei banhos, telefonemas, evacuações. Ignorei correspondências porque não tinha energia nem para dizer que estava tão cansada, e ninguém se importava que eu estivesse cansada — quem não está cansado? Antes de ter o bebê, lembro-me de me sentir cansada o tempo todo. Mas depois que ele veio, eu podia passar quatro dias em dois quartos, de pijamas, tão cansada que ficava quase cega.

[Waiting for the baby to feed or stop feeding or burp or pass wind or yellow liquid shit I postponed showers, phone calls, bowel movements. I ignored correspondence because I had no energy even to say I am so tired, and no one cared that I was tired—who isn’t tired? Before I had the baby I remember feeling tired all the time. But after he joined me I could spend four days in two rooms, pajama-clad, so tired I was almost blind.]


:: SITUAÇÃO ::
Barbara Ehrenreich, Nickel and Dimed

Mas o lar, neste caso, não é um lugar tranquilo; é mais parecido com o que se chama no Exército de “situação”.

[But home in this instance is not a restful place; it’s more like what is known in the military as a “situation.”]


:: FUNCHO ::
Sarah Manguso, Ongoingness

Num dia pós-parto, levei uma eternidade para lembrar a palavra “obsoleto”. No outro dia, “sugestionável”. No outro, “funcho”. A mãe de um bebê precisa de um léxico menor? Ela precisa de um léxico especificamente limitado? Então eu não precisava pensar em funcho? Em abstrações?

[One postpartum day it took me forever to remember the word obsolete. Another day, suggestible. Another, fennel. Does the mother of an infant need a smaller lexicon? Does she need a specifically limited lexicon? Did I not need to think about fennel then? About abstractions?]


:: UMA FILEIRA DE FORMIGAS ::
W. David Marx, Status and Culture

A cultura pop aplaude o cantor de heavy metal Ozzy Osbourne por cheirar grandes quantidades de substâncias prejudiciais à saúde, incluindo uma fileira de formigas vivas — um comportamento hedonista que certamente destruiria a carreira de um gerente médio em uma seguradora.

[Pop culture celebrates the heavy metal singer Ozzy Osbourne for snorting copious amounts of unhealthy substances, including a line of live ants—hedonistic behavior that would surely stifle the career of a middle manager at an insurance company.]


:: PIKACHU LIBRE ::
Ben Taub, Russia’s Espionage War in the Arctic

“Dois anos atrás, recebemos muitas dicas sobre pessoas fotografando um aparelho secreto”, disse ele. “Descobrimos que havia um Pokémon raro lá”, explicou, referindo-se ao jogo de realidade aumentada Pokémon Go.

[“Two years ago, we got a lot of tips about people photographing a covert safe house,” he said. “We found out that a rare Pokémon was there,” in the augmented-reality game Pokémon Go.]


:: A INTERFACE MANTEIGA-MANTEIGA ::
Barbara Ehrenreich, Had I Known

Nós passávamos manteiga em tudo, de brócolis a brownies, e teríamos passado manteiga na própria manteiga se não fossem os problemas de tração apresentados pela interface manteiga-manteiga.]

[We buttered everything from broccoli to brownies and would have buttered butter itself if it were not for the problems of traction presented by the butter-butter interface.]


:: THE WIRE ::
Revista Sino Azul, Jan-Fev 1952

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Agradecimentos: Google Translator, Dolce Café e Gigio.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) 

::: www.hortifruti.org :::

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A Hortaliça – #099

Posted: 8th outubro 2024 by Vanessa Barbara in Hortaliças

O micróbio oficial da cidade de São Paulo

#099 – São Paulo, 8 de outubro de 2024
Os segredos da cena underground do oboé
Na Rua do Hospício, 16-A
www.hortifruti.org

“Fora fora coleante tentáculo”
(Sylvia Plath)

Viver na Alemanha Oriental era uma eterna Eiertanz – como dançar em um chão coberto de ovos”
(Burkhard Bilger)

:: EDITORIAL ::

Nesta edição, brindamos o leitor com uma vasta coleção de sementes de hortaliça, as quais se afiançam serem novas, e de muito boa qualidade, por serem mandadas pela própria cultivadora.

Aproveitem.


:: POLTERGEISTS E CRIANÇAS ::

Shirley Jackson, “The Ghosts of Loiret

Nunca gostei da teoria de que os poltergeists só entram em casas onde há crianças, porque acho que é simplesmente demais para uma mesma casa ter poltergeists e crianças.

[I have never liked the theory that poltergeists only come into houses where there are children, because I think it is simply too much for any one house to have poltergeists and children.]


:: PROGRAMAÇÃO EXPLOSIVA ::
Gary Shteyngart, “Out of My Mouth Comes Unimpeachable Manly Truth

“Além disso, as televisões na União Soviética costumavam explodir”, eu digo. “A certa altura, sessenta por cento dos incêndios domésticos em Moscou eram causados ​​por televisões explodindo.”

[“Also, the televisions in the Soviet Union used to explode,” I say. “Sixty percent of the house fires in Moscow used to be caused by exploding televisions at one point.”]


:: NENHUM CONFORTO ::

Oliver Sacks, On the Move: A Life

Quando meu amigo Ren Weschler o visitou uma vez e perguntou como ele estava, Michael respondeu: “Estou em Nenhum Conforto”. Ren pareceu perplexo, e Michael teve que explicar que Nenhum Conforto (Little Ease) era uma cela na Torre de Londres tão pequena que um homem não conseguia ficar de pé nem deitar nela, ou seja, nunca encontraria conforto.

[When my friend Ren Weschler visited him once and asked how he was, Michael replied, “I am in Little Ease.” Ren looked baffled, and Michael had to explain that Little Ease was a cell in the Tower of London so small that a man could neither stand up nor lie down in it, could never find any ease.]


:: ESTAR NO MESMO PLANETA ::
Bill Hayes, Insomniac City

16 out 2013: Eu, mergulhado na banheira, O. [Oliver Sacks] no vaso sanitário, falando, falando sobre o que ele tem pensado e escrito — pequenos textos pessoais, talvez para um livro de memórias. Ele trouxe consigo dois travesseiros para sentar e uma maçã vermelha muito grande. Ele abre bem a boca e dá uma mordida enorme. Eu o observo mastigando por um bom tempo. Depois que ele termina, eu peço: “Morda um pedaço para mim”. Ele faz isso, tira a maçã da boca e põe o pedaço na minha boca. Continuamos conversando. Eu adiciono mais água quente. A cada duas mordidas, ele me dá uma. Há um momento de silêncio e então, aparentemente do nada, O. diz: “Fico feliz de estar no planeta Terra com você. Seria muito mais solitário de outra forma.”

[10-16-13: I, soaking in the bath, O on the toilet, talking, talking about what he’s been thinking and writing—short personal pieces, for a memoir perhaps. He had brought with him two pillows to sit on and a very large red apple. He opens his mouth wide and takes a gigantic bite. I watch him chewing for quite a while. After he finishes, “Bite me off a piece,” I say. He does so, dislodges the apple from his mouth, and puts the piece in my mouth. We keep talking. I add more hot water. Every other bite, he gives to me. There is a quiet moment and then, seemingly apropos of nothing, O says: “I am glad to be on planet Earth with you. It would be much lonelier otherwise.”]


:: ERA FOME ::
Alba de Céspedes, Caderno proibido

Parecia-me que até o sonho de ir a Veneza, acarinhado por tanto tempo, na realidade era simplesmente fome. 


:: ENTRE OS SELVAGENS ::
Shirley Jackson, Life Among the Savages

Nessa época, Sally abandonou qualquer noção de ser um membro cooperativo de uma família, se autodenominou “Tigre” e empreendeu uma guerra incessante e aparentemente infinita contra as roupas, as escovas de dente, todos os vegetais verdes e a cama. Sua principal arma era o chiclete, que ela roubava dos bolsos de Laurie e com o qual ela podia fazer milagres de construção em seu próprio cabelo, livros e, uma vez, na máquina de escrever do pai.

[Sally at this time gave up any notion of being a co-operative member of a family, named herself “Tiger” and settled down to an unceasing, and seemingly endless, war against clothes, toothbrushes, all green vegetables, and bed. Her main weapon was chewing gum, which she stole out of Laurie’s pockets and with which she could perform miracles of construction on her own hair, books, and, once, her father’s typewriter.]


:: MICRÓBIO OFICIAL DO ESTADO DE NJ ::
Dhruv Khullar, “How Machines Learned to Discover Drugs

Na mesma época, pesquisadores constataram que uma bactéria presente no solo “fortemente adubado” de Nova Jersey produzia estreptomicina, um antibiótico que se tornou o primeiro tratamento eficaz para tuberculose. (A bactéria é agora o micróbio oficial do estado de Nova Jersey.)

[Around the same time, researchers reported that a bacterium in “heavily manured” New Jersey soil produced streptomycin, an antibiotic that became the first effective treatment for tuberculosis. (The bacterium is now New Jersey’s official state microbe.)]


:: CENA UNDERGROUND DO OBOÉ ::
Alex Ross, “Secrets of the East German Oboe Underground

Os oboístas têm a reputação de serem estranhos. Segundo um mito persistente, soprar ar através de uma palheta dupla em um tubo estreito coloca uma pressão excessiva no cérebro.

[Oboists have a reputation for being odd. A durable myth holds that blowing air through a double reed into a narrow tube puts undue pressure on the brain.]


:: GÊNIAS DA MATERNIDADE ::
Jenny Offill, Dept. of Speculation

Algumas noites depois, eu espero secretamente ser uma gênia. Por que outra razão nenhuma quantidade de pílulas para dormir consegue derrubar o meu cérebro? Mas, de manhã, minha filha me pergunta o que é uma nuvem e eu não consigo responder.

[A few nights later, I secretly hope that I might be a genius. Why else can no amount of sleeping pills fell my brain? But in the morning my daughter asks me what a cloud is and I cannot say.]


:: GOTA A GOTA ::
Rachel Cusk, A Life’s Work

Cada vez mais, a maternidade vai me parecendo não uma condição, e sim um trabalho, o trabalho de certos períodos que começam e terminam, e fora deles eu sou livre. Cada vez mais, minha filha faz parte dessa liberdade, algo novo que está sendo adicionado, gota a gota, diariamente, à soma do que sou.

[Increasingly, motherhood comes to seem to me not a condition but a job, the work of certain periods, which begin and end and outside of which I am free. My daughter is more and more a part of this freedom, something new that is being added, drop by daily drop, to the sum of what I am.]


:: É OURO ::
Judson Brewer, Unwinding Anxiety

Penso nos meus pacientes com TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada) como atletas olímpicos no “esporte” da ansiedade de resistência — eles são capazes de se preocupar por mais tempo e de forma mais intensa do que qualquer outra pessoa no planeta.

[I think of my patients with GAD as Olympians in the endurance “sport” of anxiety—they can worry longer and harder than anyone else on the planet.]


:: MEU CURSO DE ESCRITA CRIATIVA ::

Alice Weaver Flaherty, The Midnight Disease

Um poeta disse que não existe isso de bloqueio criativo se os seus padrões forem baixos o suficiente.

[One poet has said that there is no such thing as writer’s block if your standards are low enough.]


:: PIPOQUEIRO ::
Victor Heringer, Vida desinteressante

Se um faltasse, outro tomaria seu lugar, por isso jamais houve escassez de pipoca na minha infância. Descobri cedo que, onde há mais de trinta pessoas reunidas, lá estará o vendedor ambulante. 


:: ESPERA ::
Lucia Berlin, A Manual for Cleaning Women

As pessoas pobres esperam muito. Assistência social, filas de desemprego, lavanderias, cabines telefônicas, prontos-socorros, prisões etc.

[Poor people wait a lot. Welfare, unemployment lines, laundromats, phone booths, emergency rooms, jails, etc.]


:: CONFISSÃO ::

Ouvida no ponto de ônibus

“As minhas amizades nem gostam de sair comigo porque eu sou muito chata.”

Correio Mercantil, ano X, nº 352. Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 1853

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Agradecimentos: Renato Sedano Onofri, Google Translator.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) 

::: www.hortifruti.org :::

Pequeno aviso legal: A Hortaliça será distribuída gratuitamente através desta plataforma. Não iremos produzir conteúdos fechados para assinantes por acreditar no livre acesso à informação, arte e cultura. A tarifa zero será bancada pelos leitores e leitoras e leitões que tiverem condições financeiras (e vontade) de colaborar. A estes, pedimos que nos apoiem escolhendo um plano de assinatura ou depositando moedas de ouro aleatórias para a chave pix: vmbarbara@yahoo.com. Vamos apoiar o jornalismo independente, a literatura de guerrilha e a bobice semiprofissional.

A Hortaliça – #098

Posted: 6th setembro 2024 by Vanessa Barbara in Hortaliças
Capa: “Desenho de observação”, Batata, 2023

Poodles agressivos e pombos tocando piano

#098 – São Paulo, 6 de setembro de 2024
O que uma pessoa normal faria?
Discite, o miseri, et causas cognoscite rerum*
www.hortifruti.org

Não estou outra vez muito mal. É a mesma vez.”
(autor desconhecido)

:: EDITORIAL ::

Passamos os últimos dias tentando identificar o autor dessa pérola acima, sem sucesso. Primeiro pensamos em Flaubert, mas relemos todo o conteúdo de Cartas exemplares e nada. Parecia mesmo algo dito em carta. Depois pensamos em Kafka. Mas de tanto pensar em Kafka ficamos imensamente deprimidos e desistimos de procurar.

Se algum leitor tiver uma pista de quem emitiu essa frase, com a qual nos identificamos muitíssimo, faça o favor de escrever: vmbarbara@yahoo.com.

Ah, esta edição contém os originais dos trechos citados, a pedidos dos leitores anglófonos. Ficou feio? Ficou. Mas é o que tem pra hoje.


:: MENOS ADIANTADO ::
Gustave Flaubert, Cartas exemplares

A Louise Colet
2h, 20 abril 1853

Quanto a mim, acabo ficando tão aborrecido comigo quanto com os outros. Há três semanas que estou a escrever dez páginas! Passo dias inteiros a mudar palavras repetidas, a evitar assonâncias! E quando trabalho bem, estou menos adiantado no fim do dia do que no começo. 


:: ANEDOTA SOBRE JAMES JOYCE ::
Stephen King, On Writing

De acordo com a história, um amigo veio visitá-lo um dia e encontrou o grande homem esparramado em sua escrivaninha em uma postura de desespero total. “James, o que há de errado?”, perguntou o amigo. “É o trabalho?” Joyce indicou assentimento sem nem levantar a cabeça para olhar o amigo. Claro que era o trabalho; não é sempre? “Quantas palavras você conseguiu hoje?”, o amigo continuou. Joyce (ainda em desespero, ainda esparramado de bruços em sua mesa): “Sete.” “Sete? Mas James… isso é bom, pelo menos para você!” “Sim”, disse Joyce, finalmente erguendo o olhar. “Suponho que sim… mas não sei em que ordem elas vão!”

[According to the story, a friend came to visit him one day and found the great man sprawled across his writing desk in a posture of utter despair. ‘James, what’s wrong?’ the friend asked. ‘Is it the work?’ Joyce indicated assent without even raising his head to look at the friend. Of course it was the work; isn’t it always? ‘How many words did you get today?’ the friend pursued. Joyce (still in despair, still sprawled facedown on his desk): ‘Seven.’ ‘Seven? But James . . . that’s good, at least for you!’ ‘Yes,’ Joyce said, finally looking up. ‘I suppose it is . . . but I don’t know what order they go in!’]


:: SER TORRADEIRA ::
Mihaly Csikszentmihalyi, Flow

É como se, quando a torradeira da minha mãe pifou, eu me perguntasse: “Se eu fosse essa torradeira e não funcionasse, o que poderia estar errado comigo?”

[“Like when my mother’s toaster went on the fritz, I asked myself: ‘If I were that toaster and I didn’t work, what would be wrong with me?’”]


:: SER SALMÃO ::

David Adam, The Man Who Couldn’t Stop

Em 2005, neurocientistas na Califórnia colocaram um salmão do Atlântico comprado de um peixeiro local em uma máquina de ressonância magnética. Eles mostraram ao peixe morto uma série de fotografias enquanto escaneavam sua reação. “Ao salmão”, os cientistas relataram mais tarde, “foi pedido que identificasse qual emoção o indivíduo na foto estava sentindo”. Parece tolo, mas é um passo comum e necessário para calibrar máquinas de ressonância magnética e ver se está tudo bem antes que voluntários humanos sejam introduzidos.

Os cientistas da Califórnia também tentaram com uma abóbora, que tem aproximadamente o mesmo tamanho e peso de uma cabeça humana. As amostras de controle — animal ou vegetal — obviamente não devem produzir resultados.

No entanto, quando os neurocientistas analisaram a respostas dos exames do salmão, encontraram uma coisa curiosa. Os resultados pareciam mostrar o salmão pensando. Diante das fotografias, partes de seu cérebro de peixe se iluminaram. O sinal anômalo deveu-se a uma falha técnica e estatística, um ruído aleatório na forma com que o software da máquina processava os sinais.

[In 2005, neuroscientists in California put an Atlantic salmon bought from a local fishmonger into their MRI machine. They showed the dead fish a series of photographs and scanned for its response. ‘The salmon’, the scientists later reported, ‘was asked to determine what emotion the individual in the photo must have been experiencing.’ It sounds silly, but it’s a common and necessary step to calibrate MRI machines and check all is good before human volunteers are introduced. The California scientists tried it with a pumpkin too, because one is about the same size and weight as a human head. The test samples – animal or vegetable – of course are not supposed to yield results. Yet, when the neuroscientists looked at the output of the scans of the salmon, they found a curious thing. The results appeared to show the salmon thinking. Shown the photographs, parts of its fishy brain had lit up. The rogue signal was down to a technical and statistical glitch, random noise in the way the scanner’s computer software processed the signals.]


:: DIFÍCIL PLANEJAR O DIA ::
E. B. White, em perfil no New York Times

Eu acordo de manhã dividido entre o desejo de melhorar (ou salvar) o mundo e o desejo de aproveitar (ou saborear) o mundo. Isso torna difícil planejar o dia.

[I arise in the morning torn between a desire to improve (or save) the world and a desire to enjoy (or savor) the world. This makes it hard to plan the day.]


:: VEM, PRIMAVERA ::

Charles Darwin, The Voyage of the Beagle

Que diferença faz o clima no aproveitamento da vida!

[What a difference does climate make in the enjoyment of life!]


:: LEVANTA-TE E ANDA ::
Michael Lewis, The Undoing Project

A regra de Amos [Tversky], sempre que ele queria sair de qualquer reunião, era simplesmente se levantar e ir embora. Basta começar a andar e você ficará surpreso com o quão criativo você se tornará e quão rapidamente encontrará as palavras para sua desculpa, ele dizia. A atitude de Amos em relação à desordem da vida diária era uma parte de sua estratégia para lidar com as demandas sociais.

[Amos’s rule, whenever he wanted to leave any gathering, was to just get up and leave. Just start walking and you’ll be surprised how creative you will become and how fast you’ll find the words for your excuse, he said. His attitude to the clutter of daily life was of a piece with his strategy for dealing with social demands.]


:: BOLETOS MENSAIS ::
Alba de Céspedes, Caderno proibido

Giacinta garantia persuadir o marido a pagar todo mês o boleto da luz, cujo vencimento é bimestral; Luisa sustentava que é preferível aumentar a conta das despesas com as crianças: “É o único método seguro”, afirmava, rindo, e nesse riso fazia estremecer o ramalhetezinho de violetas pregado no cetim branco do chapéu. “Nas férias, sempre que perco no jogo, as crianças têm uma amigdalite ou um resfriado.”


:: NO HARM DONE ::
Mary Norris, Between You & Me

“Primeiro nós tiramos as pedras, Alice. Depois tiramos os seixos. Depois tiramos a areia, e a voz do escritor vem à tona. Nenhum dano causado.”

[“First we get the rocks out, Alice. Then we get the pebbles out. Then we get the sand out, and the writer’s voice rises. No harm done.”]


:: FANTASIAS MATERNAS ::

Lucy Jones, Matrescence

Brincávamos indiretamente sobre o estresse que estávamos sofrendo, sobre a “fantasia materna do hospital” — a ideia de que quebrar um membro menor seria uma boa maneira de descansar e de ser cuidado por uma noite.

[We joked obliquely about the stress we were under, about the ‘maternal hospital fantasy’ – the idea that breaking a minor limb would be a good way to get a rest and be looked after for a night.]


:: POODLES AGRESSIVOS ::
Tara Haelle e Emily Willingham, The Informed Parent

Também não há como rastrear com precisão vários incidentes de um único cão, a fim de que um poodle particularmente agressivo não seja contabilizado como cinco cães diferentes.

[There is also no way to accurately track multiple incidents from a single dog so that one particularly aggressive poodle isn’t counted as five different dogs.]


:: OFENSAS LITERÁRIAS ::
Kathryn Schulz, “The Secrets of Suspense”

Não posso, em sã consciência, recomendar Um par de olhos azuis, que traz à mente a observação de T. S. Eliot sobre [Thomas] Hardy — que “às vezes seu estilo toca o sublime sem nunca ter passado pelo estágio de ser bom”.

[I cannot in good conscience recommend “A Pair of Blue Eyes,” which brings to mind T. S. Eliot’s observation about Hardy—that “at times his style touches sublimity without ever having passed through the stage of being good.”]


:: SEMPRE UM HOMEM ::
Rebecca Solnit, Os homens explicam tudo para mim

Alguns homens explicaram por que explicar coisas para mulheres não era realmente um fenômeno de gênero.

[Some men explained why men explaining things to women wasn’t really a gendered phenomenon.] 


:: PENSANDO BEM ::
Oliver Sacks, On the move

Jerry tem sido um bom amigo e, de uma forma ou de outra, uma espécie de guia e mentor implícito. Parece não haver limites para sua curiosidade e conhecimento. Ele tem uma das mentes mais amplas e racionais que já conheci, com uma vasta base de conhecimento de todos os tipos, mas é uma base que se encontra continuamente sob questionamento e escrutínio. (Já o vi parar de repente no meio de uma frase e dizer: “Não acredito mais no que eu estava prestes a dizer.”)

[Jerry has been a good friend and, at one level and another, a sort of guide and implicit mentor. There seem no limits to his curiosity and knowledge. He has one of the most spacious, thoughtful minds I have ever encountered, with a vast base of knowledge of every sort, but it is a base under continual questioning and scrutiny. (I have seen him suddenly stop in mid-sentence and say, “I no longer believe what I was about to say.”)]


:: O MÁXIMO QUE PODEMOS FAZER ::
Bill Hayes, Insomniac City

22 de abril de 2015. O[liver Sacks]: “O máximo que podemos fazer é escrever — de forma inteligente, criativa, crítica e evocativa — sobre como é viver no mundo neste momento.”

[4-22-15: O: “The most we can do is to write—intelligently, creatively, critically, evocatively—about what it is like living in the world at this time.”]


:: POMBOS TOCANDO PIANO ::

Michael Lewis, The Undoing Project

[Skinner] ensinou pombos a dançar, a jogar pingue-pongue e a martelar “Take Me Out to the Ball Game” no piano.

[He taught pigeons to dance and play Ping-Pong and bang out “Take Me Out to the Ball Game” on a piano]. 


:: ESCRITORES FALANDO ::

Escrevemos e narramos a segunda história neste episódio recente do podcast Rádio Novelo Apresenta. É como um pombo tocando piano.

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*Do latim: “Aprendei, ó infelizes, e conhecei as causas das coisas”, Pérsio, Satirae, 3.66. Em Das terras bárbaras, de Ricardo da Costa Aguiar.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) 

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A Hortaliça – #097

Posted: 7th agosto 2024 by Vanessa Barbara in Hortaliças

É ouro rosé para o Brasil

#097 – São Paulo, 7 de agosto de 2024
Consulte-nos sobre seus problemas avícolas
Manduca, jam coctum est*
www.hortifruti.org

“Sabe, Haroldo, tem dias em que nem a minha cueca da sorte com estampa de foguete dá conta.”
(Calvin)

“Agorafobia! Fiquei pensando: Taí uma coisa que eu poderia tentar agora.”
(Joyce Carol Oates)

:: EDITORIAL ::

Nesta edição, a delegação olímpica de A Hortaliça resolve praticar um de seus esportes favoritos – ler os relatórios da PF na íntegra – e compartilha com a torcida os melhores momentos de nosso mais recente thriller policial. Com vocês, o divertidíssimo relatório de 2.528 páginas que indiciou Jair Bolsonaro e seus comparsas por um esquema de venda de joias recebidas de autoridades estrangeiras.

É ouro rosé para o Brasil.


:: EQUILÍBRIO MENTAL ::
Relatório da PF sobre o roubo das joias, p. 118

Essas duas mensagens, assim como as fotos enviadas anteriormente das joias e dos certificados, também foram encaminhadas da conversa que MAURO CID possuía consigo mesmo.


:: PROFISSIONAIS ::
Relatório da PF sobre o roubo das joias, p. 2022-23

Desta forma, essa equipe policial, durante a análise do material apreendido e com as informações coletadas durante a investigação, acredita que MAURO CID, diante dos contatos salvos com o mesmo nome “Nicholas”, tenha enviado as fotos das esculturas para Nicholas Luna acreditando estar enviando as mensagens para Nicholas Fortuna.


:: ARE YOU INTERESTING? ::
Relatório da PF sobre o roubo das joias, p. 2075


:: PROFISSIONAIS 2 ::
Relatório da PF sobre o roubo das joias, p. 1981

Nas trocas de e-mail acima, a empresa Crown and Caliber informa que recebeu a solicitação de venda do relógio GIRARD-PERREGAUX Earth to Sky Edition Watch 49555-1-433-BH6A e que havia enviado outro e-mail contendo a oferta sobre o conjunto.

A troca de e-mails prossegue. Nela fica claro que MAURO CID teria enviado a proposta de vendas para outras lojas, e que havia recusado a proposta da Crown and Caliber de forma equivocada. No e-mail ele pede para a proposta ser reenviada.


:: ADVOGADOS MALUCOS ::
Relatório da PF sobre o roubo das joias, p. 1928-30


:: SELVA ::
Relatório da PF sobre o roubo das joias, p. 1872

:: CHEGA! CHEGA! ::
Colm Tóibín, “Ten rules for writing fiction

Se você precisa ler, então, para se alegrar, leia a biografia de escritores que ficaram loucos.


:: TRÊS CRISTOS ::
Leonard Mlodinow, Subliminar

Em 1959, o psicólogo social Milton Rokeach reuniu três pacientes de psiquiatria para habitar o mesmo quarto no hospital Ypsilanti State, em Michigan. Os três pacientes achavam que eram Jesus Cristo. Já que pelo menos dois tinham de estar enganados, Rokeach imaginou como eles processariam em conjunto essa ideia. 


:: TRISTE DEMAIS ::
Jeffrey Eugenides, As virgens suicidas

Um sanduíche comido pela metade jazia esquecido no patamar, onde alguém tinha se sentido triste demais para terminar de comê-lo. 


:: E CORUJAS ::
Julian Barnes, O sentido de um fim

As coisas que eram tratadas pela Literatura: amor, sexo, moralidade, amizade, felicidade, sofrimento, traição, adultério, bondade e maldade, heróis e vilões, culpa e inocência, ambição, poder, justiça, revolução, guerra, pais e filhos, mães e filhas, o indivíduo contra a sociedade, sucesso e fracasso, assassinato, suicídio, morte, Deus. E corujas. 


:: ESQUILOS DE ESQUI ::

David McRaney, You Are Not So Smart

Por exemplo, se você deseja ensinar um esquilo a praticar esqui aquático, você só precisa começar aos poucos e ir aumentando os esforços.


:: PENSE POSITIVO ::
Oliver Burkeman, The Antidote

Se você estiver sendo torturado lentamente até a morte, você sempre pode ser torturado ainda mais lentamente até a morte.

Reflexo do general Mauro Lourena Cid


:: É ESTRANHO ::
Oscar Wilde, O retrato de Dorian Gray

É estranho, mas dizem que todo mundo que desaparece é visto em San Francisco.


:: INSCRIÇÃO EM UM TRAVESSEIRO ::

Não passar a ferro.


:: HOMENS BRANCOS ::

Harrison Salisbury, ex-editor do NYT
Citado por Gay Talese, O reino e o poder

Quando deixo cair um pedaço de papel no chão, é porque quero que ele fique lá.


:: DISTRAÇÕES ::

Gustave Flaubert, Madame Bovary

Seu companheiro, porém, lhe parecia muito esquisito, pois muitas vezes Léon se estirava na cadeira, distendendo os braços, e se queixava da vida.
– É porque não procurava distrações – dizia o preceptor.
– Quais?
– Eu, no seu lugar, teria um torno.


:: HOJE ::

Emily Dickinson em uma carta

A Existência desbancou os Livros. Hoje eu matei um Cogumelo.


:: SOBRE CHECADORES E REVISORES ::
Mary Norris, Between You & Me

Você quer ter certeza de que, ao sair de casa, a etiqueta na parte de trás do seu colarinho não está aparecendo – a menos, é claro, que esteja deliberadamente vestindo suas roupas do avesso.


:: DIÁLOGOS ALEATÓRIOS ::

Dead Man (Jim Jarmusch, 1995)

– Conhece Cole Wilson?
– Claro! Todos o conhecem, é uma lenda!
– Ele matou os pais.
– Ele o quê?
– Ele matou os pais.
[pausa demorada]
– Os dois?

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*“Coma, já está cozido”. Palavras que teriam sido pronunciadas por São Lourenço, mártir da igreja católica, enquanto queimava na fogueira.

Agradecimentos: Fausto Salvadori, Érico Assis, Alexandre Morgado, Toninho Gonçalves, Fernando Gherardini, Lucas Pessoa, Roberto Bencz, Taynara Borges, Luis Maian, Xiko Lopes, José Ricardo Alves, André Meneguel.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) 

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A Hortaliça – #096

Posted: 15th julho 2024 by Vanessa Barbara in Hortaliças, Sem categoria

Sorrindo para as batatas

#096 – São Paulo, 15 de julho de 2024
Para aqueles que só pensam na equação de Boltzmann
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Um verdadeiro fracasso não precisa de justificativa. É um fim em si mesmo.
(Gertrude Stein)

“Destinados, como Aristodemos, o Trêmulo, e Roberto Durán, à vergonha e à humilhação?”
(Scott Stossel)

:: EDITORIAL ::

Certo dia, Henry James entendeu que não conseguiria bancar sua vida luxuosa na Europa trabalhando com esmero, então decidiu escrever mais rápido. Na época, morava em um quarto com varanda no Hôtel de Rome; o sol batia na janela aberta e ele se sentava em uma escrivaninha de frente para a Via del Corso. Fico imaginando o jovem aristocrata abusando nos advérbios, empregando todo tipo de chavão, redigindo capítulos muito curtos e inventando o clickbait. Ele mal conseguiria olhar para o que escreveu enquanto estava no processo — talvez prendesse a respiração enquanto trabalhava. Imagino também que ele tivesse de tomar vários banhos demorados depois. Essa intenção de escrever mais rápido não parece ter durado muito.

Em todo caso, este editorial é dedicado a ele.


:: OS PROVENTOS DE HENRY JAMES ::

Percy LubbockPortrait of Edith Wharton

Certa vez, [Edith] Wharton mencionou que o automóvel onde eles estavam havia sido adquirido com os proventos de seu romance mais recente. “Com os proventos do meu romance mais recente”, disse Henry James de forma reflexiva, “eu comprei um pequeno carrinho de mão, no qual a bagagem dos meus convidados é transportada da estação de trem até a minha casa. Ele está precisando de uma demão de tinta. Com os proventos do meu próximo romance eu devo mandar pintá-lo.”


:: DIÁRIOS ::
Franz Kafka, Diaries

13 V (1922) 
Nada

17 (Maio 1922)
Triste


:: A EQUAÇÃO DE BOLTZMANN ::
Scott DodelsonModern Cosmology

Nos anos 1960, uma revista de circulação nacional publicou um cartum que mostrava dezenas de executivos caminhando pelas ruas de Manhattan com um ar muito importante e sério. Sobre cada uma daquelas cabeças, balões de pensamento revelavam seu verdadeiro foco: todos estavam imaginando cenas de sexo selvagem. Pelo menos em alguns aspectos, a equação de Boltzmann desempenha um papel semelhante para físicos e astrônomos: ninguém nunca fala sobre isso, mas todos estão sempre pensando no assunto.


:: MEMÓRIA POR MEMÓRIA ::
Olga RavnMy Work

Devo resgatar como de um incêndio as partes que ainda são importantes para mim, as partes que escrevi enquanto ainda estava lá, como se o tempo fosse uma fogueira que devorasse, memória por memória, a pessoa que fui para que eu não me lembre mais, muito menos entenda, o que aconteceu.


:: SE A GENTE NÃO GRITA NA HORA ::

Tatiana Salem Levy, Melhor não contar

Há coisas que, se a gente não grita na hora, num ataque de raiva, virando o mundo pelo avesso, elas se encrustam na gente, se agarram aos nossos órgãos, com unhas afiadas, e vão ganhando solidez e imobilidade com o passar do tempo — fazendo com que se torne cada vez mais difícil a sua transformação em palavras.


:: HOMENS TOLOS EM CONVERSÍVEIS ::

Miranda July, All Fours

Ainda que as crises de meia-idade possam ser apenas mal vistas, é possível que cada uma delas tenha sido profunda e única, e foram só alguns poucos homens tolos em conversíveis vermelhos que lhes deram má fama. Imaginei cumprimentar um homem desses de forma solene: “Vejo que você chegou a um momento de grandes questionamentos. Deus esteja com você, buscador”.


:: EU CHUTARIA UNS 30% ::

Abigail Tucker, Mom Genes

Ainda mais impressionante é que os cérebros das novas mães pareciam muito diferentes dos seus antigos cérebros, conforme tomografias tiradas antes de engravidarem. Essas perdas de massa cinzenta podem totalizar até 7% em algumas mães, descobriu outro estudo. Mudanças dessa magnitude são praticamente inéditas em humanos adultos, com a possível exceção de sobreviventes de traumatismos cranianos.


:: NA MÉDIA ::

Matt Parker, Humble Pi

Após o censo de 2011, o Instituto Australiano de Estatísticas revelou quem era o australiano médio: uma mulher de 37 anos que, entre outras coisas, “mora com o marido e os dois filhos (um menino de 9 e uma menina de 6 anos) numa casa com três quartos e dois carros no subúrbio de uma das capitais da Austrália”. E então descobriram que essa mulher não existe. Eles vasculharam os registros e nenhuma pessoa atendeu a todos os critérios para ser considerada verdadeiramente mediana.


:: TIPO ISSO ::

Stephen PileThe Ultimate Book of Heroic Failures

[Sobre o filme Offending Angels, de 2000]

Menos de vinte pessoas no Reino Unido pagaram para assisti-lo. Tirando os impostos e a comissão dos cinemas, o filme teve uma renda total de bilheteria de 17 libras.


:: MAIS UM BOM EXEMPLO ::

Stephen PileThe Ultimate Book of Heroic Failures

Depois da partida contra o Irã, metade do time das Maldivas foi até o técnico, Romulo Cortez, e disse que queria desistir do futebol.


:: SORRIA PARA AS BATATAS ::

T. Lobsang RampaLuz de vela

Uma porção de gente acredita que plantas evoluem e se tornam animais e os animais evoluem para se tornar seres humanos, mas isso não é verdade. Você nunca ouviu falar de um cavalo que virou vaca, não é, nem de uma alface que virou pássaro. (…) Portanto a evolução é essa: uma couve pode não ter muita consciência nesta Terra, mas assim mesmo as couves podem reconhecer as pessoas e as emoções. (…) A moral disso parece ser: sorria para as suas batatas e elas crescerão melhor para você!


:: CONFESSIONÁRIO DO AUTO-COMPLETE ::

Leslie JamisonSplinters

Toda vez que um amigo pesquisava alguma coisa no meu computador, meu sovaco pinicava de suor. O que poderia surgir do confessionário do meu preenchimento automático? Talvez aquelas madrugadas passadas assistindo a vídeos do Coro do Tabernáculo Mórmon no YouTube. Todos esses homens brancos de terno cantando “Amazing Grace”, como se fosse um escritório cheio de corretores de hipotecas convocados para o arrebatamento. Às vezes eu imaginava meu terapeuta dizendo: “Talvez você devesse começar a beber de novo?”.


:: MAIS DEPRESSÃO PÓS-PARTO ::
Olga RavnMy Work

Enquanto estiver escrevendo este livro, acho que permanecerei num estado de depressão pós-parto. Não escrever o livro é permanecer nessa ansiedade. Não escrever o livro é dar poder ao medo das palavras. Não escrever é não se tornar mãe, permanecer para sempre no limiar da maternidade. Escrever é entrar de cabeça nisso. Vamos ver o que há ali dentro. Ali está o meu destino. Ser mãe de alguém de hoje até eu morrer.


:: DIÁRIOS ::

Franz Kafka, Diaries

22 (Setembro 1917)
Nada

17 I (1922)
Pouco diferente


:: ESPIRITUALMENTE FALANDO ::

Heidi JulavitsThe Folded Clock

Talvez ela achou que engataria uma conversa mais interessante com um estranho que conheceu na universidade, em vez de alguém que conheceu, digamos, no Carnegie Deli. Qual é o lugar do homem no universo? O que determina o destino do indivíduo? Onde, espiritualmente falando, fica o metrô mais próximo?


:: OVOS PODRES ::

Mihaly CsikszentmihalyiFlow

Um amigo que gosta de cruzar oceanos sozinho em um veleiro me contou certa vez uma anedota que ilustra até onde os navegantes solitários às vezes têm de ir para manter a mente focada. Aproximando-se dos Açores numa travessia do Atlântico em direção ao leste, a cerca de 1,2 mil km da costa portuguesa, e depois de muitos dias sem ver um navio, ele avistou uma outra pequena embarcação seguindo na direção oposta.

Era uma oportunidade bem-vinda de visitar outro navegador, e os dois barcos recalcularam as rotas para se encontrar em mar aberto, lado a lado. O homem do outro barco esfregava o convés, que estava parcialmente coberto por uma substância amarela pegajosa e fétida. “Como você sujou tanto o seu barco?”, perguntou o meu amigo para quebrar o gelo. “Veja bem”, o outro respondeu, encolhendo os ombros, “é só um monte de ovos podres”. Meu amigo admitiu que não lhe parecia claro como tantos ovos podres acabaram espalhados pelo convés de um barco no meio do oceano.

“Bem”, disse o homem, “a geladeira quebrou e os ovos estragaram. Faz vários dias que não há vento e eu estava ficando muito entediado. Então pensei que, em vez de jogar os ovos ao mar, poderia quebrá-los no convés para poder limpá-los depois. Deixei-os estragar por um tempo para que ficasse mais difícil limpá-los, mas não imaginei que cheirassem tão mal”.


:: DEDICATÓRIA EM UM LIVRO ::

“Este livro é uma das coisas mais idiotas que eu já li na vida” (assinatura indecifrável)

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Agradecimentos: Adriano Pereira Bastos, Giovane Salimena, Paulo Henrique Martins.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) 

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A Hortaliça – #095

Posted: 4th junho 2024 by Vanessa Barbara in Hortaliças

Tão alegre quanto assistir a uma autópsia

#095 – São Paulo, 4 de junho de 2024
Oito em pé, vinte sentados
A mulher mais perigosa do hemisfério
www.hortifruti.org

“As duas capas deste livro estão distantes demais uma da outra.”
(Ambroce Bierce)

“Tão alegre quanto assistir a uma autópsia”
(Variety)

:: EDITORIAL ::

Enfim estão chegando as resenhas de Três camadas de noite.* Há nelas um entusiasmo que há muito não se via em matéria de literatura: a escritora Dorothy Parker teria dito que “não é um romance para ser deixado de lado graciosamente. Deve ser arremessado para longe com enorme força”.

Dois ou três dias após a data oficial de lançamento, antes mesmo que a maioria dos leitores recebesse seus exemplares, um anônimo avaliou a obra com uma estrela na Amazon, expressando todo o seu ardor pela capa. Pouco depois, o livro saiu repentinamente da categoria “não ficção” e foi realocado para “ficção” — já não se descarta a reclassificação póstuma como “poesia” ou simplesmente “horror”. A estupefação é completa.

Em artigo para um jornal de grande circulação, Dylan Thomas até procurou ser gentil: afirmou que o romance “não é nada mais do que moderadamente bom. Colocaria esse livro ao lado dos poemas de Matthew Arnold só para ver que barulho delicioso ambos fariam se os atirasse num rio”.

Outro comentador garantiu que ler Três camadas de noite em voz alta era como ouvir “um bando de ratos sendo lentamente torturados até a morte, enquanto, de vez em quando, uma vaca moribunda mugia”. Por fim, e ainda na metáfora bovídea, disseram-nos que era “como ficar encarando uma vaca por quarenta e cinco minutos”.

Estamos profundamente satisfeitos com a recepção apaixonada da obra e rogamos para que continuem nos enviando suas impressões. Há um erro na página 69, por exemplo, e um fio de cabelo permanentemente enrolado entre a orelha e a quarta capa. Fora isso, trata-se de um livro (216 páginas) perfeitamente capaz de parar em pé.

Instagram: @vmbarbara
Link para comprar o livro: FósforoAmazonEstante VirtualTravessaMartins FontesLeonardo Da VinciDois Pontos

:: A MULHER MAIS PERIGOSA DA ALEMANHA ::
Matt ParkerHumble Pi

De 1993 a 2008, a polícia alemã procurou a misteriosa “fantasma de Heilbronn”, uma mulher que havia sido relacionada a quarenta crimes, incluindo seis assassinatos; seu DNA foi encontrado em todas as cenas dos crimes. Dezenas de milhares de horas policiais foram gastas à procura da “mulher mais perigosa da Alemanha” e houve uma recompensa de 300 mil euros pela sua cabeça. Acontece que era uma mulher que trabalhava na fábrica dos cotonetes utilizados ​para coletar​ as evidências de DNA.


:: A CABRA ::
Jonathan RottenbergThe Dephts

Não podemos ter certeza de que a cabra se sente bem quando come, embora pareça extraordinariamente provável que sim.


:: DEMISSÃO ::

Scott StosselMy Age of Anxiety

Certa vez, deparei-me com um relato na literatura clínica de uma mulher que fingiu estar doente e faltou a um banquete da firma onde receberia um prêmio pelo desempenho excepcional, pois a perspectiva de ser o centro das atenções a deixava muito nervosa. Depois de ela ter faltado ao jantar, um pequeno grupo de colegas planejou uma recepção mais íntima em sua homenagem. Ela pediu demissão para não ter de comparecer.


:: GOSTOU DO LIVRO? ::
Tom RachmanThe Rise and Fall of Great Powers

“Você gostou desse livro?”, ele perguntou.
“Achei um lixo total.”
“Que droga. Por que o recomendou?”
“É tão horrível que pensei: Tooly tem que ler isso.”
“Você é a única pessoa, Fogg, que recomenda um livro porque o odiou.”


:: O RECEIO ::
Cory DoctorowInformation Doesn’t Want to Be Free

Esse é o meu receio: que a tecnologia amplie o poder dos poderosos – não apenas dos governos, mas das gravadoras, dos estúdios de cinema e dos intermediários online que moldam cada vez mais a esfera criativa – para o prejuízo de todos os demais.


:: NADA NA VIDA ::
Daniel KahnemanRápido e devagar

Nada na vida é tão importante quanto você pensa que é quando você está pensando a respeito. 


:: O PERSERVERANTE DO 175-P ::


:: A FUNÇÃO METAFÍSICA DOS PIOLHOS ::
Sarah Ruhl100 Essays I Don’t Have Time to Write

Talvez seja essa a função metafísica dos piolhos. Para nos lembrar de nossa necessidade mútua.


:: OS SOLAVANCOS SORTIDOS ::

Sérgio PortoO homem ao lado

[…] nos bons tempos em que só valia viajar sentado. Depois veio a ordem para os oito em pé, e lá viemos nós — os do ônibus — a compartilhar com um número maior de almas irmãs os solavancos sortidos que a prefeitura proporciona aos moradores desta cidade, através de seus bem cuidados buracos. Mas, lá um dia, um sábio qualquer, das chamadas classes dirigentes, fez cair a portaria dos oito em pé. O oito caiu, ficou deitado, e como um oito deitado é o símbolo do infinito, nasceu a suposição de que, nos ônibus, há sempre lugar para mais um. 


:: RESENHA ANÔNIMA ::
Matthew ParrisScorn

Chuang Tzu nasceu no ano quatrocentos antes de Cristo. A publicação deste livro em inglês, dois mil anos após sua morte, é sem dúvida prematura.


:: PAI NOSSO, QUE ESTAIS NO MANDAQUI ::
Mary NorrisBetween You & Me

Um excelente exemplo de cláusula que todos conhecem e que pode ser restritiva ou não restritiva está no Pai Nosso: “Pai Nosso, que estais nos céus” (Mateus 6:9). Esse “que estais nos céus” é restritivo ou não restritivo? Onde está Deus? Acredito que não é restritiva, como indica a vírgula antes de “que”; isto é, a frase “que estais nos céus” não define o Pai, apenas diz onde ele mora. É como se você pudesse inserir “aliás”: “Pai Nosso, que, aliás, reside nos céus” – exceto que “Pai Nosso” é vocativo, o termo gramatical para tratamento direto. No discurso direto não há necessidade de dizer a Deus onde ele está. No contexto original, Jesus ensinou esta oração aos seus discípulos. Se não houver vírgulas, a implicação é que quem está orando tem outro pai (José?). Portanto, é concebível que Cristo pretendesse que a frase “que estais nos céus” fosse restritiva, para identificar o pai celestial em oposição ao pai terreno.

[…] Deixando a teologia de lado por um momento, eu poderia dizer, falando por mim e por meus irmãos, “Pai Nosso, que estais em Cleveland”.


:: PICOLÉ DE ABACAXI ::
Zadie Smith, “Joy”

Mesmo a grande ansiedade de escrever pode ser acalmada durante os oito minutos que leva para comer um picolé de abacaxi.


:: DESCOBRIR QUE AINDA É DIA ::
Janet Malcolm41 inícios falsos

(Sobre as irmãs Vanessa Bell e Virginia Woolf)

Vanessa escreve muito bem, não só quando está comendo alguém vivo, como Madge Vaughan, mas em todo o volume de suas cartas. “Você tem um dom para escrever cartas que está acima da minha capacidade. Alguma coisa inesperada, como dobrar uma esquina num jardim de rosas e descobrir que ainda é dia”, Virginia escreve a ela em agosto de 1908, e a descrição é correta. Sobre suas próprias cartas, disse Virginia: “Ou sou demasiado formal, ou demasiado febril”, e também está correta nisso. Virginia era a grande romancista, mas Vanessa era a escritora nata de cartas; ela tinha um dom para escrevê-las. […]


:: RENÚNCIA ::
Matthieu RicardThe Art of Happiness

Um provérbio tibetano diz: “Falar com alguém sobre renúncia é como bater no nariz de um porco com uma vara. Ele não gosta nem um pouco disso”.


:: EU PEDIRIA UM ESTÔMAGO DE DOCES ::

Caitlin MoranHow To Be a Woman

“De qualquer maneira, não quero ter filhos”, diz Caz. “Então não estou ganhando nada com isso. Quero que todo o meu sistema reprodutivo seja retirado e substituído por pulmões sobressalentes, para quando eu começar a fumar. Eu quero essa opção. Isso não tem sentido.”


:: SOU UM BULE DE CHÁ ::

Matt ParkerHumble Pi

Sempre hilários, os engenheiros de software designaram o código de erro 418 como “Sou um bule de chá”. Ele é retornado por qualquer bule com acesso à internet ao qual é enviada uma solicitação para fazer café. Foi introduzido como parte do lançamento de 1998 das especificações do Hyper Text Coffee Pot Control Protocol (HTCPCP). Originalmente pensados como uma piada do Dia da Mentira, os bules conectados foram posteriormente fabricados e operados de acordo com o HTCPCP. Uma tentativa de remover esse erro em 2017 foi derrubada pelo Movimento Save 418, que o preservou como “um lembrete de que os processos subjacentes aos computadores ainda são feitos por humanos”.


:: A VAQUINHA ELSIE ::
Alice MunroThe Progress of Love

Ele recortava fotos de revistas e as pendurava pelas paredes do quarto — não fotos de garotas bonitas seminuas, mas apenas de coisas que lhe agradavam: um avião, um bolo de chocolate, a vaquinha Elsie.


:: UM ANO POLITICAMENTE DIFÍCIL ::
Michael Schulman sobre Julio Torres, na New Yorker

Quando criança, contaram-lhe a verdade sobre o Papai Noel — foi um “ano politicamente difícil de navegar”, já que algumas crianças ainda acreditavam — e esperava que uma revelação semelhante sobre Deus se seguisse, mas isso nunca aconteceu.


:: O ROMÂNTICO DO 177-H ::

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*As ofensas de maior gabarito foram retiradas da coletânea Scorn, de Matthew Parris.
Agradecimentos: Paulo Henrique Martins, Google Translator.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo) 

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5 livros sobre depressão e outros transtornos mentais

Posted: 17th maio 2024 by Vanessa Barbara in Artigos
Foto: Pablo Saborido

A convite da seção “Favoritos”, a escritora Vanessa Barbara indica cinco livros que tratam da depressão e outros transtornos mentais.

Nexo Jornal
3 de maio de 2024

por Vanessa Barbara

Dizem que há escritores que passam a vida reescrevendo o mesmo livro, ou seja, falando sobre os mesmos temas de formas ligeiramente distintas. Se isso é verdade, meus assuntos fundamentais seriam: tartarugas, leguminosas, feminismo, transporte público, astronomia e depressão. (Um dia ainda vou escrever uma obra definitiva juntando todos esses tópicos.)

Quem sofre de transtornos mentais conhece a dificuldade de se expressar direito, e por isso há algo de reconfortante em saber que outra pessoa entende o que se passa e está fazendo o melhor possível para explicá-lo. Por exemplo: o escritor Andrew Solomon diz que, “na depressão, o ar parece espesso e resistente, como que cheio de massa de pão”. Tudo o que foi rápido se torna lento. A depressão é a ausência de sentido vital de propósito e o embotamento de sensações, e talvez só seja possível descrevê-la com a ajuda da literatura.

Enquanto eu escrevia o romance “Três camadas de noite” – sobre depressão, maternidade e trabalho literário – revisitei algumas das minhas obras preferidas nas áreas de depressão e outros transtornos mentais, que me dão essa sensação valiosa de ser estranhamente compreendida. 

A redoma de vidro
Sylvia Plath (Trad. Chico Mattoso, Biblioteca Azul, 2019)

Nesse clássico da ficção contemporânea, a escritora norte-americana reconta seu primeiro episódio depressivo, ocorrido em 1953, aos 20 anos de idade, após uma desalentadora temporada de estágio em Nova York. Inicio esta lista com um romance, e não com um livro de não ficção, porque Plath consegue descrever muito bem como é a sensação de estar deprimida, guiando o leitor em sua vertiginosa descida ao abismo. Gosto sobretudo do trecho em que a narradora, Esther Greenwood, relata a inutilidade de lavar os cabelos: “Parecia idiota lavá-los um dia quando eu teria de lavá-los de novo no outro dia. Eu ficava cansada só de pensar. Queria fazer tudo de uma vez e acabar logo com isso” [tradução minha, de uma edição de 2008 da Faber & Faber].

O demônio do meio-dia: Uma anatomia da depressão
Andrew Solomon (Trad. Myriam Campello, Companhia das Letras, 2018)

Uma espécie de enciclopédia da depressão, leitura obrigatória para quem se interessa pelo tema. No livro, o escritor expõe seu vínculo pessoal com a doença e faz uma investigação de sua incidência, manifestação, sintomas e tratamentos. “Viver com depressão é como tentar manter o equilíbrio enquanto dança com um bode”, define.

Solomon explica que a depressão começa pela insipidez, enevoa os dias num tom sépia e então enfraquece ações ordinárias até que suas formas claras sejam obscurecidas pelo esforço que exigem, nos deixando cansados, entediados e obcecados por nós mesmos. Há uma passagem sobre a dificuldade que o autor tem para se levantar da cama e ir tomar banho, antecipando cada passo e por fim desistindo da tarefa: “No mundo inteiro as pessoas tomam banho. Por que eu não podia ser uma delas?”.

Meus tempos de ansiedade 
Scott Stossel (Trad. Donaldson M. Garschagen e Renata Guerra, Companhia das Letras, 2014)

Editor da revista The Atlantic, o jornalista norte-americano Scott Stossel costura ciência, história e autobiografia em um extenso perfil da ansiedade. Foi com Stossel que aprendi que Charles Darwin era tão ansioso que tinha ataques prolongados de vômito, que os babuínos de baixo status na hierarquia social estão sempre estressados e que a romancista austríaca Elfriede Jelinek, ganhadora do Nobel de Literatura de 2004, faltou à cerimônia de entrega por causa de sua fobia social aguda.

Até hoje me lembro, em detalhes, de um episódio extremamente constrangedor em que Stossel entope o banheiro de uma mansão em Cape Cod, enrola uma toalha na cintura, tenta sair sem ser visto e encontra John F. Kennedy Jr. no corredor. Tento manter isso em mente sempre que preciso participar de algum evento social. 

Bem que eu queria ir
Allen Shawn (Trad. Caetano Galindo, Companhia das Letras, 2009)

Bela obra de referência para os fóbicos. O compositor e escritor norte-americano confessa ter medo de altura, água, campos abertos, estacionamentos, túneis, elevadores, metrôs, pontes e estradas desconhecidas. Sua agorafobia serve de base para uma investigação mais ampla sobre as fobias e a psicologia do medo. Um dos méritos deste livro é que acaba expondo a relação direta entre nossas fraquezas e aquilo que somos. Referindo-se ao pai (o lendário editor William Shawn, da revista The New Yorker), o autor diz: “O paradoxo é que, sem suas fobias, ele não teria chegado aonde chegou. Podia muito bem ter chegado a outros lugares; que possivelmente poderiam lhe ser mais compensadores, mas não lá, onde se revelou tão competente.”

Shawn explica que o conceito de fobia abrange todo um elenco de temores sociais, que podem ir da especificidade (ficar trancado em um armário de lavanderia) à generalização (todo confinamento de qualquer espécie). Há fobias que se assemelham simplesmente a um medo de estar neste planeta: o medo da luz (fotofobia), do ar (aerofobia), e, para cúmulo da ciclicidade, o medo de adquirir fobia (fobofobia).

O corpo guarda as marcas
Bessel Van Der Kolk (Trad. Donaldson M. Garschagen, Sextante, 2020)

A grande novidade no campo da não ficção psiquiátrica é este livro sobre estresse pós-traumático. Com base em sua experiência clínica de mais de 30 anos, o psiquiatra holandês descreve como as experiências traumáticas podem reformular nossa fisiologia, recalibrando o sistema de alarme do cérebro, aumentando a atividade dos hormônios do estresse e acarretando todo tipo de distúrbios mentais. Suas sugestões de tratamento não parecem tão revolucionárias – ele sugere a prática de ioga, artes marciais e qigong, com o objetivo de ensinar visceralmente o corpo de que ele está de volta ao controle. Em todo caso, a lógica de seu raciocínio é interessante o suficiente para causar um grande e merecido impacto na literatura sobre depressão.

Encerro a lista com algumas menções honrosas: “Darkness Visible”, de William Styron; “Por que as zebras não têm úlceras”, de Robert M. Sapolsky; “A Cure for Darkness”, de Alex Riley; “Touched with Fire”, de Kay Redfield Jamison; “Mrs. Dalloway”, de Virginia Woolf; The “Upward Spiral”, de Alex Korb; e “The Master and His Emissary”, de Iain McGilchrist. (Este último é mais sobre o cérebro, mas eu super recomendo para os fortes de espírito.)


Vanessa Barbara é jornalista e escritora, autora de Três camadas de noite (Fósforo, 2024). Publicou outros nove livros, como Noites de alface (Alfaguara, 2013), ganhador do Prix du Premier Roman Étranger, na França, e O livro amarelo do terminal (Cosac Naify, 2008), vencedor do Prêmio Jabuti de Reportagem. Colabora com a New York Review of Books e The New York Times. Escreve o almanaque A Hortaliça no Substack.

A Hortaliça – #094

Posted: 6th maio 2024 by Vanessa Barbara in Hortaliças
Provável localização da mítica Praça Tito, no Mandaqui

O Olodum pirou de vez

#094 – São Paulo, 6 mai 2024
Edição especial Praça Tito
Fortificada com 7 vitaminas e ferro
www.hortifruti.org
Alerta de gatilho: lavagem de cabelos


Um livro é um suicídio adiado”
(Emil Cioran)

“Em lituano, há um verbo ‘morrer’ exclusivo para humanos e abelhas.
(Sam Knight)


:: A PRAÇA TITO ::
Uma atualização

Localizada em um ponto ermo da rua Cel. Joaquim Ferreira de Souza, à altura do número 221, na localidade do Mandaqui, a Praça Tito era uma área de cerca de três metros quadrados, fartamente arborizada por ervas daninhas e sarças de diferentes matizes. Nesse local havia uma cadeira carcomida de cor bege e um cartaz de papelão – da caixa de leite La Serenissima, com sete vitaminas e ferro -, que alguém fixou com fita crepe. No referido cartaz liam-se os dizeres:

“Praça Tito. Favor não estragar a mobília”.

Era isso o que sabíamos do logradouro, que sempre exalou os ares místicos de um santuário. Ninguém nunca se sentou na cadeira bege. Alguns tiravam o boné ou faziam uma reverência discreta ao passar por ali.

Seis anos mais tarde, em dezembro de 2008, enquanto apurávamos para uma coluna em O Estado de São Paulo, descobrimos que o sítio havia sido erigido em homenagem a Trípoli Amelio Bernardini, avô da leitora Cristina Bernardini. À época, ela informou que estava de mudança para a casa vizinha à do Cebola. Não tivemos mais notícias. Resolvemos seguir nossas vidas insignificantes, ainda que para sempre afetados pela contemplação do sublime.

Infelizmente hoje quase não há resquícios daquele monumento.

O ponto exato da praça, conforme apontado por arqueólogos

A Praça Tito, porém, deixou para a posteridade um ímpeto arquitetônico que só os verdadeiros vanguardistas são capazes de inspirar. Vejam esta nova praça, erigida a cerca de cem metros do ponto original por mandaquienses de natureza menos nostálgica e levemente mais boêmia:

30 de março de 2024


E esta outra, onde botaram um chafariz azul:


E sim, agora temos uma réplica do Cristo Redentor em pleno coração do Mandaqui. Tudo isso em um espaço de menos de trezentos metros:


Do que se conclui que a Praça Tito estará para sempre viva em nossos corações, em nossos puxadinhos e mobílias.

Sigamos então, tu, eu e possivelmente o Eliot.


:: A QUESTÃO DO XAMPU ::

Elizabeth WurtzelProzac Nation

Você sabe que desabou completamente na loucura quando a questão do xampu atingiu níveis filosóficos.


:: FAZENDO XIXI NA RUA ::
Susan TaubesDivorcing

Como as idosas urinavam na rua em Galanta
Muitas vezes testemunhei a seguinte cena. (Em Galanta, não havia como encontrar um local para urinar, a não ser em casa.) Sempre acontecia com duas mulheres juntas; elas se encontravam e conversavam. Depois que saíam, havia uma poça no local. O chão estava seco antes. Mais tarde, quando estudei medicina, entendi que entre as mulheres idosas há a possibilidade de fazer isso sem se sujar muito. (As mulheres usavam vestidos compridos.)


:: UM PAÍS COM CROCODILOS ::
Joan Acocella sobre Graham Greene, para a New Yorker

Basicamente, sempre que uma organização precisava que alguém viajasse, com despesas pagas, para um país que tivesse crocodilos, ele se interessava.


:: ORFEU ::
José Paulo Paes, do livro “A meu esmo”, em Poesia completa

O jabuti perdeu a companheira por causa de um ovo atravessado que nem o veterinário conseguiu tirar.
Durante meses, ficou a percorrer aflito o jardim, de cá para lá, de lá para cá, procurando-a.
Nas épocas do cio, soltava, angustiado e cavo, o seu chamado de amor.
À falta de resultados concretos, acabou por finalmente desistir da busca.
Voltou a andar no passo habitual e ficar, como antes, longas horas imóvel aquentando sol.
Isso até o dia em que deixaram encostado ao muro do fundo do quintal um velho espelho.
Assim que topou com ele, estacou e se pôs a balançar a cabeça de um para outro lado no esforço de reconhecimento.
Quando julgou distinguir ali a companheira, soltou, mais angustiado e cavo do que nunca, seu chamado de amor.
Repetiu-o o dia inteiro diante do vidro impassível. Porém ela continuou para todo o sempre prisioneira do espelho.


:: EM PLENA CALÇADA ::
Um tour guiado pelos pontos de interesse do bairro

Em outro ponto do Mandaqui, registramos uma máquina de lavaso:



:: SOBRE ACORDAR EM OUTRA VIDA ::
Susan TaubesDivorcing

Durante todos aqueles anos em Budapeste, ela pensou em acordar e esquecer. Era um pensamento estranho, poderoso e assustador. No entanto, ela refletiu, só agora era assustador. Assim que ela acordasse em outra vida, não teria medo, pois não se lembraria de ter sido outra pessoa antes.


:: CONSELHO ::
Marcus Aurelius, apud Oliver BurkemanThe Antidote

O pepino está amargo? Deixe-o de lado.


:: O CONTRÁRIO DE MIM ::
Kathryn Schulz, na New Yorker

Essas lagostas espinhosas que migram em fileiras de conga são tão boas nisso que parecem impossíveis de se desorientar, algo que só sabemos porque os cientistas se esforçaram muito para tentar fazê-lo. Como Barrie descreve em Supernavigators, pode-se cobrir os olhos de uma lagosta, metê-la em um recipiente opaco cheio de água salgada de seu ambiente nativo, forrar o recipiente com ímãs suspensos em cordas – de modo que balancem em todas as direções -, colocar o recipiente em um caminhão, pilotar o caminhão em círculos até um barco, dirigir o barco em círculos até um local distante, jogar a lagosta de volta na água e – voilà – ela irá avançar de forma confiante em direção ao lar.


:: MEUS FAVORITOS ::
Extra! Extra!

Meus 5 livros favoritos sobre depressão e outros transtornos mentais

http://www.nexojornal.com.br/estante/favoritos/2024/05/03/5-livros-sobre-depressao-e-outros-transtornos-mentais


:: DA LISTA ::
Sylvia PlathA redoma de vidro

Eu tinha certeza de que os católicos não aceitariam nenhuma freira maluca. Certa vez, o marido da minha tia Libby contou uma anedota sobre uma freira enviada por um convento para fazer um check-up com a [médica da família] Teresa. Essa freira vivia ouvindo notas de harpa e uma voz que repetia: “Aleluia!”. Só que, ao ser questionada com mais rigor, ela não conseguia ter certeza se a voz dizia Aleluia ou Arizona. A freira tinha nascido no Arizona. Acho que ela acabou em algum hospício.


:: CHAMADA NO JORNAL ::



:: O JAGUAR, O JACARÉ E A TARTARUGA ::
Mito Mundurucu. Claude Lévi-StraussO cru e o cozido

Macacos convidam a tartaruga a comer frutas com eles no alto de uma árvore. Eles a ajudam a subir e vão embora, abandonando-a em cima da árvore. 

Passa um jaguar, que aconselha a tartaruga a descer, com a intenção de comê-la. A tartaruga se recusa a descer, o jaguar resolve ficar à espera. […] Finalmente, o jaguar se cansa e baixa a cabeça. Então a tartaruga se joga, e sua grossa carapaça quebra a cabeça do jaguar. “Weh, weh, weh”, exclama a tartaruga, rindo e batendo palmas. Ela come o jaguar, faz uma flauta com um de seus ossos e a toca para comemorar a vitória.

Um outro jaguar ouve a flauta, resolve vingar a companheira e ataca a tartaruga, que se refugia num buraco. Um jacaré começa uma discussão com a tartaruga acerca do brotamento dos feijões: em cipós ou em árvores. Irritado porque ela o contradiz, o jacaré tapa o buraco e volta todos os dias para provocar a tartaruga. […] 

O jacaré abre o buraco para comer a tartaruga, que considera morta. Mas ela ataca o jacaré por trás, empurra-o para dentro do buraco e tapa-o, rindo “weh, weh, weh” e batendo palmas. […] Logo o jacaré seca e enfraquece. Sua voz se torna inaudível e se extingue; o jacaré morreu. A tartaruga ri “weh, weh, weh”, e bate palmas.


:: ELA É INCOMUM ::
A Woman Under Influence (1974, John Cassavetes)

“A Mabel não é louca, ela é incomum.”
[Mabel’s not crazy; she’s unusual]


:: ESTA SEMANA ::

Seria um novo volume da coleção Grandes Sucessos da Abril Cultural?
https://www.fosforoeditora.com.br/…/tres-camadas-de-noite/



:: ASCENÇÃO DA SRA. LALANNE ::
Correio Mercantil, e Instructivo, Politico, Universal (RJ), de 5 de março de 1865, p. 4 

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Agradecimentos: Arthur Tertuliano, Renato Onofri, Google Translator.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo)  ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para vmbarbara@yahoo.com e diga na linha de assunto: “Foi demais para Kudno Mojesic”, mesmo que você não seja – e nem queira ser – Kudno Mojesic.

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A Hortaliça – #093

Posted: 14th abril 2024 by Vanessa Barbara in Hortaliças
Quando enfim encontramos a cabeça da Benê

Era Vera quem lambia os selos para Nabokov
#093 – São Paulo, 10 abr. 2024
Nesta edição, 100% de cotas para mulheres
E se reclamar vai ter duas
Vlw Flws
https://hortifruti.substack.com


“Morremos de sono, eu, então que já nasci morrendo de sono”
(Clarice Lispector)

“Meus primeiros rascunhos sempre soavam como se tivessem sido escritos por um frango”
(Elizabeth Hardwick)

:: EDITORIAL ::

Esta é uma edição feita só com mulheres sobre mulheres, para comemorar a pré-venda de um certo romance. (É ficção ou não ficção? Flor ou legume? Henry ou Alice James?)

O livro será lançado oficialmente no dia 6 de maio, mas já entrou em pré-venda no site da editora Fósforo. Também publicamos um trecho inédito na edição de abril da revista piauí.

Pedimos desculpas pela autopromoção desavergonhada e pelo excesso de aspas inglesas nesta edição. O fato é que amamos as serifas e ninguém irá nos impedir de utilizá-las. [Evocar mentalmente a foto do Suplicy sendo levado pela polícia militar e da Greta Thunberg dentro do camburão.]

Homens descontentes com esta inequívoca manifestação de misandria devem enviar suas moções de protesto para o endereço: Praça Tito, S/N – Mandaqui – São Paulo – SP. Cep: 02419-070. É aconselhável encaminhar o documento via notificação extrajudicial ou, opcionalmente, contratar uma advogada que interponha uma medida preventiva para aceitação da queixa. A resposta chegará em dezessete dias úteis via tegrama fonado.

https://www.fosforoeditora.com.br/catalogo/tres-camadas-de-noite/


:: VERA LAMBIA OS SELOS ::

Jenny Offill, Departamento de especulação

As mulheres quase nunca se tornam “monstros da arte” porque monstros da arte só se preocupam com arte, nunca com coisas mundanas. Nabokov nem chegava a fechar o próprio guarda-chuva. Vera lambia os selos para ele.


:: DEFINIÇÃO ::

Rebecca SolnitOs homens explicam tudo para mim

O feminismo, como a escritora Marie Sheer observou em 1986, “é a ideia radical de que as mulheres são pessoas”, uma ideia que não é universalmente aceita mas que, ainda assim, está se espalhando.


:: TODAS AS MANHÃS ::

Sylvia PlathThe Letters of Sylvia Plath Vol 2

Devo apenas escrever decididamente todas as manhãs pelos próximos anos, em meio a ciclones, encanamento congelado, doenças pediátricas e solidão.


:: BRUXAS PRATICANTES::

Ruth FranklinShirley Jackson: A Rather Haunted Life

Mais tarde, Shirley faria afirmações ousadas, ainda que muitas vezes jocosas, sobre seus próprios poderes ocultos, desde os dizeres na orelha de seu primeiro romance — “talvez a única escritora contemporânea que é uma bruxa amadora praticante” — até o boato de que ela havia feito o editor Alfred A. Knopf quebrar a perna em um acidente de esqui.


:: BOLAS DE FLUNFA ::

A única participação masculina da edição

“Todas as mulheres são pequenas bolas de flunfa aos olhos do Criador”
(Donald Pomerlau, comissário da polícia de Baltimore, testemunhando num caso de discriminação de gênero)


:: TEXTÃO CARAMELOSO ::

Paola Klug, traduzido por Rui Sá

Minha avó me dizia que, quando uma mulher se sentisse triste, o melhor que podia fazer era trançar o seu cabelo, de modo que a dor ficasse presa nele e não pudesse atingir o resto do corpo. Havia que ter cuidado para que a tristeza não entrasse nos olhos, porque iria fazer com que chorassem. Também não era bom deixar entrar a tristeza nos lábios, porque iria forçá-los a dizer coisas que não eram verdadeiras; e que também não se metesse nas mãos porque se pode deixar tostar demais o café ou queimar a massa. […] Trança a tua tristeza, dizia. Trança sempre a tua tristeza.

Fotografia tirada na Nicarágua por Candelaria Rivera


:: QUE TRANÇA QUE NADA ::
Melhor seria ter cobras nos cabelos

Fique feliz que nós só queremos igualdade. E não retaliação.


:: LIMITE ::
Sylvia Plath, “Edge”, tradução de Marília Garcia

A mulher está completa.
Morto,

Seu corpo traz um sorriso de êxito,
O ideal de uma exigência grega

Transborda das dobras de sua toga.
Os pés

Descalços parecem dizer:
Viemos até aqui, chegou o fim.

As crianças mortas enroladas, serpentes brancas,
Uma em cada

Vasilha de leite, agora vazia.
Ela recolhe em seu

Corpo as crianças como se fossem pétalas
De uma rosa que se fecha quando o jardim

Enrijece e os cheiros sangram
Da garganta funda e doce de uma flor noturna.

A lua não tem motivos para ficar triste
Espiando do alto de seu capuz de osso.

Está acostumada a essas coisas.
Seu lado escuro se parte e se arrasta.


:: SOBRE LAVAR OS CABELOS ::

Sylvia PlathA redoma de vidro

Parecia idiota lavá-los um dia quando eu teria de lavá-los de novo no outro dia. Eu ficava cansada só de pensar. Queria fazer tudo de uma vez e acabar logo com isso.


:: A SOLUÇÃO E O PROBLEMA ::

Leslie JamisonSplinters

Nos dias em que me encontrava presa em intermináveis discussões internas — do tipo que você continua litigando, mesmo sabendo que não pode vencer — eu levava minha filha de volta para Winogrand. Suas fotografias faziam o mundo crescer em torno do meu ressentimento. Isso parecia mais possível do que “deixar pra lá” e certamente mais possível do que resolver a questão. Eu poderia simplesmente aparecer no corredor de estranhos e deixá-los circundar os meus problemas. Na reabilitação [dos Alcoólicos Anônimos], as pessoas gostam de dizer: “Às vezes a solução não tem nada a ver com o problema”, e as fotografias de Winogrand não tinham nada a ver com os meus problemas. Eles apenas me lembraram do mundo comum e infinito – como ele ainda estava lá fora esperando. Naquela galeria escura, ajoelhei-me ao lado do carrinho da minha filha, alimentando-a com Cheerios para mantê-la feliz, e parecia tão certo estar ajoelhada naquele quarto escuro, no meio de estranhos.


:: A SOLUÇÃO E O PROBLEMA – PT. 2 ::

Leslie JamisonSplinters

Sentir falta da minha filha não era um problema a ser resolvido. Era algo que podia ser respondido com uma beleza estonteante e ordinária, e depois deixado intacto – a dor vivendo por trás do brilho, tanto sua sombra quanto sua espinha dorsal.

:: DORMINDO COMO UM BEBÊ ::
Jenny Offill, Departamento de especulação

E essa expressão: “Dormindo como um bebê”? Outro dia, uma loira falou isso casualmente no metrô. Eu tive vontade de deitar ao lado dela e gritar por cinco horas em seu ouvido.


:: ESTADO PERPÉTUO DE ALARME ::

Begoña Gómez UrzaizAs abandonadoras

Quem cuida de crianças pequenas, e todos que já o fizeram sabem disso, vive num estado perpétuo de alarme. O que quer que passe por sua cabeça será invadido e saqueado a qualquer momento, e a certeza de que esse assédio está na iminência de acontecer faz com que pensar, abstrair-se, vire uma atividade furtiva.


:: UMA ÁRVORE ::
Clarice LispectorTodas as cartas

Paulinho me perguntou que é que eu faria se Deus tivesse me dado, em vez de boys, uma árvore… Achei que seria provavelmente mais fácil.


:: EXATAMENTE O ESFORÇO QUE MERECE ::

Ayelet WaldmanBad Mother

[…] Mas meu favorito é o sobrinho de Carlie William. Diante da tarefa de construir uma maquete em gesso de um dos cinquenta estados norte-americanos, o garoto escolheu Nebraska. Fez um retângulo plano. Como disse sua tia, “É preciso amar uma criança que investe na lição de casa precisamente o esforço que ela merece”.


:: RECOLHENDO COISAS ::

Shirley JacksonRaising Demons

Dia após dia, eu andava pela casa recolhendo coisas. Pegava livros, sapatos, brinquedos, meias, camisetas, luvas, botas, chapéus, lenços, peças de quebra-cabeças, moedas, lápis, coelhos de pelúcia e ossos que os cachorros tinham deixado embaixo das cadeiras da sala. Também pegava soldadinhos de chumbo, carrinhos de plástico, luvas de beisebol, suéteres e bolsinhas infantis com moedas dentro e pedacinhos de fiapos caídos do chão. Cada vez que eu pegava algo, colocava a coisa de volta em um outro lugar que me parecia melhor do que onde encontrei.


:: BOM CONSELHO ::

Silvia FedericiO ponto zero da revolução

Se o governo está disposto a pagar as mulheres só quando elas cuidam dos filhos dos outros, então as mulheres deviam “trocar de filhos”.


: UM COM O OUTRO ::

Leslie JamisonSplinters

Um aviso [na capela em Las Vegas] mostrava os nomes cursivos de Michael Jordan e Joan Collins com um coração no meio, casados aqui, como se eles tivessem se casado um com o outro. Tudo era possível naquela cidade.

:: SÓ NOS FALTA O BOTÃO ::
Jenny Offill, Departamento de especulação

Há uma história sobre um prisioneiro em Alcatraz que passava as noites na solitária deixando cair um botão no chão e tentando encontrá-lo no escuro. Dessa forma, todas as noites, ele passava as horas até o amanhecer. Eu não tenho um botão. Em todos os outros aspectos, minhas noites são iguais.


:: DIA SIM, DIA NÃO ::
Rebecca SolnitOs homens explicam tudo para mim

Alguns homens explicaram por que homens explicando coisas para as mulheres não era exatamente um fenômeno de gênero.


:: O QUE QUER QUE VOCÊ DESEJAR ::

Megan K. StackWomen’s Work

E ainda assim eu me perguntava: por que será que, o que quer que você desejar, é possível encontrar uma mulher pobre para vendê-lo?


:: A ESCRITORA POSSÍVEL ::

Alice Munro, “The Art of Fiction”, The Paris Review 137

[…] Todo esse processo pode levar até uma semana, o tempo de tentar examinar o conto, tentar recuperá-lo, depois desistir e pensar em outra coisa, e então voltar a ele, em geral de forma bastante inesperada, quando estou no mercado ou dirigindo. Eu penso: ah, sim, tenho que escrever do ponto de vista de fulano de tal, e tenho que cortar esse personagem, e é claro que essas pessoas não são casadas, ou algo assim. A grande mudança, que geralmente é a mudança radical. [E isso faz o conto funcionar?] Eu nem sei se faz a história ficar melhor. Mas faz com que seja possível que eu continue a escrever.


:: FALANDO NISSO ::
“Dona-de-casa encontra tempo para escrever contos”

Alice Munro com as filhas em artigo no Vancouver Sun, 1961

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Agradecimentos: Google Translator. Quando possível, oferecemos o link para as edições traduzidas para o português.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo)  ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para vmbarbara@yahoo.com e diga na linha de assunto: “Foi demais para Kudno Mojesic”, mesmo que você não seja – e nem queira ser – Kudno Mojesic.

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#092 – São Paulo, 26 mar. 2024
Timor mortis conturbat me*
Não segure as portas do trem
www.hortifruti.org

“Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes”
(Carlos Drummond de Andrade)

“É como ser açoitado por uma alface quente”
(Paul Keating, primeiro-ministro australiano, referindo-se a um ataque do líder da oposição)


:: EDITORIAL ::

Após o borbulhante sucesso do retorno de A Hortaliça nesta rede mundial de computadores, um evento histórico que poucos analistas souberam interpretar com a devida racionalidade, nossos redatores deixaram que a fama lhes subisse às caixolas e saíram para tirar férias no litoral baiano.

São assim os trabalhadores em regime de CLT: pedem folga após algumas míseras semanas de trabalho, ingerem grandes quantidades de água salobra sem fazer caso de sua saúde, torram a risca do cocoruto com o sol do meio-dia e vão parar no posto médico do aeroporto com sintomas de gastroenterite aguda. Pouco nos surpreenderia se aparecessem novamente grávidos, pleiteando o transplante de um órgão qualquer, apenas para desfrutar das benesses de nosso plano de saúde platinum infinite exquisite premium, que garante a todos os segurados três dias extras de vida em regime de enfermaria sentado. (Cinco dias para quem conseguir ficar de pé.)

Mas não é esse o ponto. A despeito da insolação e de dezoito ou dezenove atestados de licença médica, todos ignorados, estamos de volta com mais uma compilação aleatória de citações esdrúxulas, enigmáticas, tolas ou fora do contexto para abrilhantar a semana das senhoras e senhores.

Aproveitamos para agradecer o apoio dos leitores que se inscreveram voluntariamente para receber esta publicação, tornaram-se assinantes pagos e/ou depositaram doações no pix (vmbarbara@yahoo.com) sem que precisássemos enviar cobradores fantasiados de legume para bater às suas portas. Gostaríamos de destacar aqui o generoso doador que nos depositou R$ 5,97 (o preço de um maço de agrião), com notável desprendimento e sem esperar gratidão. A benevolência de vocês será utilizada para financiar bobices da mais alta qualidade.

A vocês, nosso muitíssimo obrigada e os votos de que nunca tenham de se preocupar com a questão do infinitivo pessoal flexionado, como às vezes nos acontece.


:: PONTE DA LONGEVIDADE ::
Lonely Planet Hong Kong & Macau

Em frente ao santuário, à esquerda, de frente para o mar, há a Ponte da Longevidade; cruzá-la irá supostamente acrescentar três dias à sua vida.


:: UM RESUMO DESTE ALMANAQUE ::
Em nota deixada pela minha mãe


:: POR SOLIDARIEDADE ::
Franz KafkaDiaries

Esta noite, após ter estudado o dia inteiro desde as 6 da manhã, notei que a minha mão esquerda estava há algum tempo agarrando a direita pelos dedos, por solidariedade.


:: POR TÉDIO ::
Franz Kafka, Diaries

Esta noite, por tédio, lavei as mãos três vezes seguidas no banheiro.


:: POR TÉDIO (DE NOVO) ::
David Chipperfield, Turtle Care: How to Care for Pet Turtles Like an Expert

As tartarugas tendem a arrancar as plantas pela raiz, provavelmente por tédio.


:: AMARRAR INCONGRUÊNCIAS E ABSURDOS ::
Mark Twain, “How to Tell a Story

To string incongruities and absurdities together in a wandering and sometimes purposeless way, and seem innocently unaware that they are absurdities, is the basis of the American art, if my position is correct. Another feature is the slurring of the point.

[Amarrar incongruências e absurdos de uma forma errante e às vezes sem propósito, e parecer inocentemente inconsciente de que são absurdos, é a base da arte americana, se minha posição estiver correta. Outra característica é o embaçamento do ponto principal.]


:: A BERINJELA QUE PARECIA NIXON ::

Carl SaganO mundo assombrado pelos demônios

De vez em quando, um legume, uma disposição de sementes silvestres ou o couro de uma vaca parece uma face humana. Houve uma famosa berinjela que se parecia muitíssimo com Richard M. Nixon. O que devemos deduzir desse fato? Intervenção divina ou extraterrestre? Intromissão republicana na genética das berinjelas? Não. Reconhecemos que há muitas berinjelas no mundo e que, de posse de um grande número delas, mais cedo ou mais tarde encontraremos uma que se assemelha a uma face humana, até mesmo a um rosto em particular.

:: NADA COMO A TARDE ::
Paulo Henriques Britto, Macau

Nada como a tarde,    trapos encardidos
enxugando os restos    de uma luz já suja,
recolhendo as manchas    de sol desmaiado
com a complacência    de um apagador.

Nada como a manhã,    com seus dedos de feltro,
flanelas metafóricas    de pura indiferença,
a estender sobre o escuro    a realidade plena
de um dia ainda há pouco    de todo inconcebível.


:: GAFANHOTOS GIGANTES ::
Matéria de Ellen Barry no FSP NYT, 15 de agosto de 2011

Tbilisi, Geórgia – A notícia de que escorpiões tinham sido avistados em sua rua deixou Nana Beniashvili apavorada.

Os gafanhotos gigantes já tinham sido muito ruins. Depois, houve as cobras, que são conhecidas em georgiano como “aquilo que não pode ser mencionado”. Na verdade, ela mesma não tinha visto nenhum escorpião, mas acreditava que uma de suas vizinhas tinha, e, no calor atordoante do verão, ela não estava ocupada em ser detalhista sobre as evidências.

“Isso significa que o apocalipse está chegando”, disse Beniashvili, 72, que estava debruçada em sua janela. “Não posso lhe dizer exatamente quando, pois não sou muito informada sobre isso. Mas é claro que o apocalipse está chegando. O mundo enlouqueceu”.


:: ONDE SE TORNOU OLEIRO ::
Bill BrysonUma breve história da vida doméstica

Durante o censo de 1085, Guilherme, o Conquistador, descobriu que havia um cavaleiro chamado Wulfric que detinha mais de 100 propriedades espalhadas por toda a Inglaterra. Preocupado com o que julgava ser um potencial problema, Guilherme mandou alterar os arquivos, que passaram a registrar Wulfric como um cavalo. O sujeito perdeu a posse de todas suas propriedades e se mudou para a Escandinávia, onde se tornou oleiro.


:: EDITORES E ESCRITORES ::
Joyce Carol OatesA Widow’s Story

Certa vez, ouvi Ray dizer a um amigo que ser editor não era nada parecido com tentar ser escritor: “Ninguém nunca se matou por motivos de ‘editar’”.


:: HUMANOS E DÁLMATAS ::
A. J. JacobsThe Know-It-All: One Man’s Humble Quest to Become the Smartest Person in the World

Dálmatas e seres humanos têm uma urina estranhamente parecida (são os únicos dois mamíferos que produzem ácido úrico). Isso poderia ser útil se um dia eu fumasse maconha, me candidatasse a um emprego estatal e tivesse acesso a dálmatas. Ainda assim, as conexões inesperadas continuam a surpreender.


:: SOBRE A NATUREZA DE DEUS ::
Matthew ParrisScorn

“Uma afeição desmedida por besouros”
(J. B. S. Haldane, quando lhe perguntaram que deduções era possível tirar sobre a natureza de Deus a partir de um de seus estudos.)


:: MINHA FILHA ::
Provando que o punk rock não morreu

:: PARA SEU CONHECIMENTO ::
Scott StosselMy Age of Anxiety

Um pregador franciscano na Alemanha estimou as probabilidades a favor da condenação de qualquer alma em 100 mil para um.


:: O PREPARADOR, ESSE DESCONHECIDO ::
Mary NorrisBetween You & Me: Confessions of a Comma Queen
(Dedicado à Luiza Barbara)

Eleanor Gould foi uma lendária gramática e checadora da New Yorker. Ela era um gênio certificado — membro não apenas da Mensa, mas de algum supergrupo dentro da Mensa — e o sr. Shawn [William Shawn, editor da revista] tinha total confiança nela. Gould lia tudo nas provas — quer dizer, tudo menos ficção, seção da qual havia sido afastada anos antes, pelo que entendi, porque tratava todo mundo da mesma forma, fosse Marcel Proust ou Annie Proulx, Nabokov ou Malcolm Gladwell.

Clareza era a estrela-guia de Eleanor, sua bíblia o Modern English de Fowler, e, quando ela concluía uma prova, as linhas de lápis pareciam dreadlocks. Alguns dos artigos tinham noventa colunas e o sr. Shawn respondia a todos os questionamentos. Meu questionamento favorito de Eleanor Gould foi sobre presentes de Natal para crianças: a autora repetiu o velho ditado de que toda boneca de pano Raggedy Ann tinha “eu te amo” inscrito em seu pequeno coração de madeira, e Eleanor escreveu à margem que isso não era verdade, e ela sabia porque, quando pequena, havia feito uma cirurgia de coração aberto em sua boneca de pano e viu com os próprios olhos que nada estava escrito no coração.


:: MAIS DA RAINHA DAS VÍRGULAS ::
Mary Norris, Between You & Me

Certa vez, perguntei a Eleanor Gould qual era o plural possessivo de McDonald’s, e ela muito sensatamente me pediu para deixar para lá. “Você tem que parar em algum lugar”, ela disse. Nós paramos em McDonald’ses’.


:: ALTAMENTE REATIVOS ::

Robert SapolskyWhy Zebras Don’t Get Ulcers

[…] o que ele chama de “altamente reativos”. Assim como aqueles babuínos que consideram o cochilo de um rival uma ameaça alarmante, esses macacos enxergam desafios em todos os lugares. Mas, no caso deles, a resposta à ameaça percebida é uma timidez encolhedora. Coloque-os em um ambiente novo que outros macacos rhesus consideram um lugar estimulante e eles reagirão com medo, despejando glicocorticóides. Coloque-os com novos colegas e eles congelarão de ansiedade – tímidos e retraídos, e novamente liberando grandes quantidades de glicocorticóides. Separe-os de um ente querido e eles terão uma propensão atípica a entrar em depressão, com excesso de glicocorticóides, superativação do sistema nervoso simpático e imunossupressão. Esses parecem ser estilos de lidar com o mundo que duram a vida toda, começando na infância.


:: A INSOLAÇÃO ::
Richard Gordon, A assustadora história da medicina

Sir Victor Horsley afirmava com determinada convicção que a insolação era causada pelos elegantes goles de bebida, e não sair para o sol sem seu capacete de cortiça. Ele provou isso na Mesopotâmia, saindo com a cabeça descoberta, e logo depois morreu de insolação.


:: APANHADAS NO CHÃO ::

Paulo Mendes Campos, Hora do recreio

De Juscelino Kubitschek, achando muito seco o discurso que lhe escrevera um assessor: “Espalhe umas borboletas aí entre os parágrafos.”


:: POR DIABOS ::
Matthew ParrisScorn

Quando eu flexiono um infinitivo, por diabos, eu o flexiono para que continue flexionado.
(Raymond Chandler em carta para seu editor inglês)


:: DICA CULTURAL ::

Assistir Perfect Days (Wim Wenders, 2023) e emendar com uma visita aos banheiros da Japan House, em São Paulo, para experimentar uma privada tecnológica japonesa em toda a sua glória.

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*A ideia da morte me deixa morto de medo, em latim.
Agradecimentos: Marcos Barbará e Richard Nixon.

“Para ser lido na maldita hora da noite em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz sentido” (Stephanie A., a moradora mais ilustre da rua Paulo da Silva Gordo)  ## Você está recebendo !!Witzelsucht!! porque estava na mala direta. Ou então, ou então! Você está recebendo o !Rododendro! porque foi um dos 139 mil nomes escolhidos entre todos os possíveis, sorteados em uma grande urna chinesa. Caso não queira voltar a receber este jornalzinho, mande um e-mail para vmbarbara@yahoo.com e diga na linha de assunto: “Foi demais para Kudno Mojesic”, mesmo que você não seja – e nem queira ser – Kudno Mojesic.

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