Almanaque secreto da filosofia e do esporte

Postado em: 3rd setembro 2007 por Vanessa Barbara em Ficção
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Revista Pesquisa/Fapesp
Ficção

Edição Impressa 139 – Setembro 2007

© Luana Geiger


Por Marcos Barbará

parte um: Filósofos-não-tão-filósofos

Polículo era um cidadão fidalgo e refinado, mesmo nos dias de chuva. Foi o primeiro antigo a amarrar as sandálias nas pernas, ainda que tenha amarrado as sandálias umas nas outras e pisado nos cadarços.

O grande momento da vida de Flatão (319-265 a.C.) foi quando o grande legislador Sólon, constipado, chamou Platão de Flatão, alçando este último à fama repentina e criando a efêmera escola Flatônica.

Brotágoras de Mileto acreditava que era sofista e, mesmo tendo nascido em 1981, fazia questão de pegar todos os dias o coletivo 701-U Jaçanã–Butantã/USP vestido como um ateniense orgulhoso, proclamando em voz alta: “A experiência ensina que para triunfar no mundo não é mister justiça e retidão, mas prudência e habilidade”, ao mesmo tempo que murmurava palavras incompreensíveis, alternadas com  “Sócrates” e “maldito barbudo”.

Monógoras descobriu que a matéria era formada de pequenas partes, que por sua vez eram formadas por partes menores ainda, e assim por diante. A menor de todas as partes ele chamou de “minhoca”. Decidiu apresentar sua descoberta na feira de ciências de sua escola ptolomaica, mas perdeu o prêmio máximo para Demócrito, que copiou totalmente seu trabalho, mas mudou o nome das pequenas partes para “átomos” e distribuiu balinhas de coco aos visitantes.

Hermeto era, provavelmente, a pessoa mais sábia de toda Tebas. Porém, sua tremenda dificuldade em ficar mais do que trinta segundos em uma sauna causou grande isolamento social, especialmente porque ele nunca conseguia ouvir uma piada de Xerxes até o final.

Penóprates (447-398 a.C.) era orador, mas seu sonho era ser técnico em informática.

Érmio de Platéia foi grande atleta em seu tempo, sobretudo nas provas de soletrar, as que mais agradavam os deuses na época. O célebre embate entre Érmio e Eustáquio de Átila foi interrompido por falta de segurança após Érmio soletrar “Mãe Edite, sua calvície molestou o otomano!”, em vez de “Mas Alice, eu já disse que não sou mitômano!”, e em seguida alegar falha no sistema de som, causando tumulto de grandes proporções.

parte dois: Atletas não-tão-atletas

Jogos Olímpicos, 76 a.C.

“Os corredores já partiram! A torcida entra em delírio! Mas que competição, patrícios e patrícias! Aquiles, o favorito, tomou a dianteira, mas… espere um segundo! Ele parece demorar uma infinidade de tempo a correr o primeiro metro, como se o movimento fosse de algum modo impossível!”
Na tribuna da plebe, Zenão divaga: “Não acredito que comprei bilhete para isto”.

Estocolmo, 1912

Sob um frio de -5°ßC, o húngaro Fèrènc Çzabosz enfrenta o dinamarquês Zork Zjork pela disputa do ouro no joquempô, categoria freestyle.

No primeiro lançamento, Zjork, apoiado pela torcida dinamarquesa em maior número, escolhe “pedra”, ante o atônito húngaro, que nada pode fazer com sua “tesoura”. Çzabosz, visivelmente nervoso, é agredido pelo treinador, enquanto Zjork leva as mãos em concha à orelha, como que pedindo para a massa gritar seu nome. Isso faz com que a torcida local dispare uma série de apupos contra o atleta dinamarquês, colocando-se ao lado do húngaro.
O fato animou Fèrènc, que, no segundo arremesso, desferiu a “tesoura”, minando os planos de Zjork com seu “papel”.

Empatados em um, foram para o set derradeiro com enorme tensão. E nenhum torcedor, por mais doente que fosse, poderia imaginar o que viria a seguir: uma fuinha decidiria o ouro. Ao sinal do árbitro, os dois oponentes se preparavam para o lançamento final, quando uma fuinha atravessou o gramado*. Desnorteado, o dinamarquês escolheu “pedra”, sendo alvejado pelo “papel” do húngaro, que, em êxtase, começou a correr em volta de seu cotovelo. Zork Zjork, em vão, tentou invalidar o lance alegando invasão de gramado, porém seu recurso não foi aceito, iniciando uma confusão que não acabaria antes de Antuérpia, 1920.

*Até 1952, o joquempô olímpico era disputado na grama.

Amsterdã, 1928

A competição de Tiro ao Pato era o momento mais aguardado das olimpíadas, devido ao esperado embate entre dois monstros sagrados do esporte. De um lado, o paquistanês Mahutah Singh, único atleta da história a vencer um mundial de Tiro ao Pato atirando-se ao pato (ver “Mundial de Tiro ao Pato, Glasgow 1926”). Do outro, o não menos popular Mohutah Singh, da Índia, que certa vez matou um alvo-pato apenas olhando para ele e fazendo tremenda força.

Como esperado, os oponentes não erraram nenhum alvo na fase eliminatória, levando ao delírio os mais de 162 mil espectadores que superlotavam o estádio olímpico, com capacidade para 25 mil pessoas. Ainda no primeiro lance, Mahutah atingiu os dez alvos-patos enquanto discutia com seu agente as confusas cláusulas de seu contrato; Mohutah, por sua vez, acertou os dez patos com um único tiro, disparado no breve intervalo entre um cochilo e outro.

Depois de 174 rodadas e nenhum erro por parte dos gênios do esporte, a organização informou que todos os patos do continente europeu estavam extintos, restando apenas um. Decidiu-se por fazer os competidores atirarem simultaneamente, e aquele que atingisse primeiro o pato seria o campeão. Segundos antes do lançamento da ave, o público inclinou-se para a frente de modo a não perder nenhum detalhe da História sendo escrita. Porém, o mundo não esperava que o torcedor curvo Rítias, possuidor de escoliose, estivesse inclinado exatamente na linha de tiro, fato que impossibilitou o disparo dos atletas e permitiu ao pato seguir seu caminho rumo à liberdade.

Mahutah Singh e Mohutah Singh começaram a atirar a esmo em qualquer coisa que parecesse remotamente com um pato, alvejando e matando o arquiduque Francisco Ferdinando Filho; o incidente gerou um conflito bélico entre Índia e Paquistão que persiste até os dias atuais.

Helsinki, 1952

Faltando dezoito metros para o final da maratona, exatos 174 atletas estavam empatados em primeiro lugar, todos espremidos ombro a ombro. Eis que surge o ruivo Crítias e, em uma arrancada digna de um herói mitológico, ultrapassa cada um dos competidores e vence. Mas sua glória é efêmera, pois os árbitros anunciam que o ruivo Crítias está eliminado por ter participado da prova somente nos últimos vinte metros e por estar totalmente nu.

Corrida do Queijo de Gloucester, 1964

A célebre contenda de 1964 é, até hoje, motivo de discussões acaloradas e regadas a destilados. Há aqueles que se solidarizam com Harry Truman, não só por ele ser homônimo do presidente americano, mas também por ele não ter largado do queijo mesmo seis dias após a Corrida. Do outro lado, estão os partidários de Zenk Skifalver, o Austríaco, que demonstrou força física e de espírito incompatíveis para seu 1,41m.

Mesmo os dois tendo rolado 33 metros com o queijo entre eles, cada qual se agarrando ao lactoso à sua maneira, a rainha declarou como vencedor um simpático coelhinho, gerando uma batalha campal entre o público e a família real.


Marcos Barbará tem 27 anos e é autor de Anão vestido de palhaço mata 8 (Editora Rocco).
http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4165&bd=2&pg=1