Revista Piauí n. 20
Maio de 2008
por Vanessa Barbara
A volta do site Demonoid.com traz esperança à turma dos bucaneiros.
“A profecia foi cumprida: regozijai-vos e semeai, ó fiéis!”, exclamou Clement Kuo, da Califórnia, num fórum especializado. Depois de cinco meses fora do ar, no dia 11 de abril o site Demonoid.com finalmente voltou à ativa. Ele é um indexador e rastreador público de arquivos de filmes, músicas, jogos e softwares em formato BitTorrent – o protocolo de processamento rápido para download. Ou seja: é dor de cabeça para os defensores da propriedade intelectual na internet, já que a maioria dos arquivos compartilhados pela rede BitTorrent é protegida por leis de copyright.
A coisa funciona assim: um belga generoso de codinome “Pandris” decide compartilhar na internet um documentário raro sobre fotografia. Ele transfere o conteúdo do DVD para o computador e cria um arquivo .torrent, um instrumento que fragmenta o original e organiza suas informações: nome do filme, tamanho, dados de cada bloco, seqüências de bits e, finalmente, o endereço do servidor tracker (o rastreador). É aí que entram sites como o Demonoid. Eles hospedam o link para o arquivo do nosso prestativo belga, permitindo que um brasileiro amante de fotografia se conecte a ele e inicie o download do conteúdo em blocos.
Em geral, o usuário demora dias ou semanas para baixar um filme inteiro, embora alguns afortunados consigam receber vasta quantidade de conteúdo em poucas horas. Para esses, o belga faria um alerta mais ou menos assim: “Tenham paciência, pois minha velocidade de upload (envio) é ridícula, e não posso deixar o computador ligado à noite, já que divido o apartamento com um colega e o PC é muito barulhento.” Aos poucos, centenas de curiosos conseguem baixar os blocos do filme e se tornam semeadores simultâneos, de modo que o belga não precisa mais deixar seu computador ligado – para alívio de seu companheiro de quarto. Assim, os arquivos são obtidos aos pedaços de várias fontes diferentes, ao mesmo tempo.
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O Demonoid é o segundo maior site de trackers do mundo, perdendo apenas para o sueco The Pirate Bay (Baía dos Piratas), que, por não hospedar o conteú-do e ser apenas um indexador, não tinha problemas com a justiça – até maio do ano passado, quando a polícia sueca invadiu sua sede e apreendeu os computadores. O site ficou fora do ar três dias, e voltou à ativa com sarcásticos comentários em resposta às diversas ameaças de processo. Os administradores do Pirate Bay lembraram que as leis dos Estados Unidos não se aplicam à Suécia, “terra dos vikings, das renas, da aurora boreal e das loiras”. Ainda afirmaram que, “ao contrário de outros países, temos leis sensatas de copyright. Mas também temos ursos polares vagando pelas ruas e atacando as pessoas”. Em abril passado, o Pirate Bay ameaçou inverter a lógica: anunciou que processará a Federação Internacional da Indústria Fonográfica por bloquear o site para os usuários da Dinamarca.
O Demonoid é um site mais organizado, que aceita apenas membros indicados e abre novas inscrições periodicamente. Além disso, recomenda uma taxa mínima de upload e se reserva o direito de banir os membros que não colaboram com o compartilhamento. Por hospedar uma quantidade enorme de rastreadores de qualidade, é bastante conceituado. Por exemplo: seu mecanismo de busca registra 47 títulos do selo americano Criterion (que no Brasil está disponível apenas para importação), os três volumes do documentário Contacts, a coleção completa da revista Mad, coleções integrais de gibis de super-heróis, e-books, temporadas de seriados, o software de animação Maya 3D (cuja licença de uso chega a 15 mil reais), o AutoCad 2009 (que custa 5 mil) e muitas outras maravilhas e bobagens.
Por meio de sites como o Demonoid ou de rastreadores como o Mininova, o isoHunt, o EzTv (exclusivo para seriados de televisão) e de softwares como o eMule e o Soulseek, é possível ter acesso tanto à discografia dos Beatles quanto à filmografia completa daquele diretor russo obscuro que gosta de abordar temas eqüinos.
Todas essas formas de compartilhamento usam a tecnologia P2P (peer-to-peer, literalmente par a par). Elas tiveram início com o Napster, em 1999, o primeiro programa de troca intensa de arquivos. Estima-se que, na época, 8 milhões de usuários chegaram a baixar músicas uns dos outros, em trocas diretas mediadas pelo software. O Napster foi fechado em março de 2001, depois de uma batalha judicial travada pela Recording Industry Association of America, Riaa, o sindicato da indústria fonográfica americana, que o acusou de violar as leis do copyright. Imediatamente, dezenas de outros programas surgiram, como o AudioGalaxy e o Kazaa, além do Soulseek, do eMule e do LimeWire.
Criado pelo americano Bram Cohen, o protocolo BitTorrent inovou a lógica do compartilhamento de arquivos, e logo angariou 150 milhões de adeptos. Baseado em rastreadores, é colaborativo e descentralizado: não disponibiliza nenhum arquivo diretamente e, portanto, é mais difícil de ser “desativado”. Além disso, possibilita a troca de arquivos pesados e acelera a velocidade do download conforme a popularidade do conteúdo. Um episódio da série Lost, por exemplo, pode ser baixado no Brasil em menos de uma hora, logo depois da sua exibição nos Estados Unidos, e as legendas são produzidas no mesmo dia por equipes de fãs. A vasta maioria dos filmes, softwares e CDs piratas vendidos pelos camelôs é baixada pelo BitTorrent.
Os problemas do site Demonoid, cujo símbolo é um demônio verde, começaram em junho do ano passado. A Brein, organização holandesa antipirataria, entrou com uma ação contra a empresa e a forçou a tirar os seus servidores dos Países Baixos. Segundo a associação, a questão não é se o site hospeda ou deixa de hospedar os arquivos, e sim o fato de divulgá-los, sem zelar pelo pagamento de direitos autorais.
Com isso, o Demonoid mudou seu domínio para o Canadá. Mas não durou muito tempo: em setembro, saiu do ar devido às pressões da Canadian Recording Industry Association, Cria, a associação da indústria fonográfica do país. Os rastreadores voltaram depois de uns dias, mas o tráfego dos usuários canadenses foi bloqueado. Finalmente, em 9 de novembro, o Demonoid fechou as portas para valer, temendo as ações da Cria. Milhares de downloadores ficaram órfãos. Em janeiro, os rastreadores foram brevemente restabelecidos na Malásia, mas tornaram a desaparecer. Para os membros do Demonoid, foi um longo inverno até 11 de abril. A batalha parecia perdida quando, de surpresa, os rastreadores ressuscitaram, desta vez com num novo administrador e uma nova sede: a Ucrânia.
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A indústria do entretenimento e os defensores do copyright batalham pela dissolução das redes e sites como o Demonoid porque, para eles, o compartilhamento ilegal de arquivos equivale a roubar uma loja de discos e furtar os próprios autores da obra, produtores e demais envolvidos na feitura de um filme, um seriado ou um CD de música. Enquanto uns tratam o assunto como pirataria, outros o vêem como acesso ao conhecimento.
A batalha é acirrada e os piratas estão vencendo. E fazem barulho: em agosto passado, no retorno do site Suprnova.org, promovido pelos administradores do Pirate Bay, surgiu um manifesto que encheria de orgulho o próprio Capitão Gancho. O texto dizia: “O que quer que vocês afundem, nós construiremos de novo. Quem quer que vocês processem, dez novos piratas serão recrutados. Aonde quer que vocês forem, estaremos na frente. Vocês são o passado e os esquecidos, nós somos a internet e o futuro.”