Prosa & Verso
A versão digital do suplemento literário de O Globo
3.7.2008
12h48m
Fora o fato de serem escritores brasileiros contemporâneos, pouco aproximava os debatedores reunidos hoje na primeira mesa da Flip 2008, Vanessa Barbara, Emilio Fraia, Michel Laub e Adriana Lunardi. O mediador João Moreira Salles chegou a propor alguns possíveis agrupamentos de inspiração borgeana para os quatro (“escritores que estão à minha esquerda”, “escritores que não são calvos”, “escritores cujo sobrenome começa com uma consoante”), e disse que das mesas deste ano aquela era a mais difícil de mediar – pela composição heterogênea e também por causa dele próprio:
– Fiquei angustiado ontem durante o jogo do Fluminense, por que me dei conta de que torço pelo único time carioca (o Botafogo) que nunca vai ganhar a Libertadores. Só fui dormir às 3h à base de Rivotril, Lexotan e Dormonid.
Num evento que depende de confirmações e cancelamentos imprevisíveis, há sempre algo de aleatório na composição do elenco, e é inevitável que algumas mesas não tenham debatedores muito afinados. Às vezes dá liga mesmo assim, em outras nem tanto. A de hoje ficou mais para o segundo caso.
Salles afinal elegeu como “denominador comum” o fato de nenhum dos quatro autores viver apenas de literatura, aproximando-se perigosamente do fatídico e chatíssimo (porque repetitivo) tema da dificuldade em se viver de literatura no Brasil, que já afundou e indubitavelmente ainda afundará inúmeros debates entre autores nacionais. Mas sua pergunta foi por outra direção: os quatro gostariam de se dedicar apenas à escrita?
Laub disse que era bom ter um trabalho para não ficar neurótico demais com a literatura (“o que é sempre uma possibilidade”) e Vanessa Barbara, que escreveu o romance “O verão de Chibo” (Alfaguara) em parceria com Emilio Fraia, lembrou que a colaboração entre Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares começou por um anúncio de iogurte que foi encomendado a eles.
– Para exaltar a longevidade adquirida pelos consumidores de iogurte, eles inventaram a história de uma família de búlgaros cuja filha mais nova tinha 93 anos – contou.
Ainda com 26 anos e lançando os primeiros livros (Vanessa acaba de publicar também “O livro amarelo do terminal”, uma reportagem sobre a rodoviária do Tietê, pela Cosac Naify), os dois contaram algumas histórias divertidas sobre os conflitos surgidos durante a escrita a quatro mãos (como uma do dia em que Emilio ligou para Vanessa para avisar que tinha resolvido matar um personagem e ela desligou o telefone na cara dele), mas o debate seguiu até o fim num clima meio sonolento. Deve ter sido mesmo a ressaca pós-show de Luiz Melodia e derrota do Fluminense. Ou então é que as mesas matinais realmente não são as que combinam melhor com a celebração etílico-literária ora em marcha aqui em Paraty.