No vaivém que não pára da Rodoviária do Tietê, uma jornalista parou e ficou. Encontrou histórias e bizarrices que encheram o seu ‘Livro Amarelo’
Jornal da Tarde
25 de julho de 2008
por Gilberto Amendola
“Eu sou alérgica a telefone! Fico com umas brotoejas horríveis e a cara torta”, disse a autora de O Livro Amarelo do Terminal, Vanessa Bárbara, 26 anos, ao tentar convencer esse repórter das vantagens de entrevistá-la por e-mail e não por telefone. Felizmente, ela não conseguiu. “Quando vierem os soluços, o ataque de espirro e as brotoejas, não diga que eu não avisei”, argumentou, bem-humorada. Assim, com a entrevista confirmada, foi só regular o ‘gerador automático de reportagens’ e…
É melhor explicar logo. Vanessa transformou o seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) de Jornalismo em um dos livros mais bacanas da temporada: uma obra que transita pelo jornalismo literário, por uma detalhada pesquisa de campo e até pela ficção. Além disso, na obra, a autora inventou a máquina citada no parágrafo anterior, o tal ‘gerador automático de reportagens’.
Para escrever O Livro Amarelo do Terminal (leia trecho ao lado), Vanessa passou meses freqüentando o Terminal Rodoviário do Tietê. Lá, entrevistou passageiros, pesquisou dados relativos à movimentação e à história do terminal e, principalmente, deu chance ao acaso. “Eu ficava por lá, observando e deixando as coisas acontecerem.”
Vanessa cruzou com freiras, surfistas, vendedores, crianças e velhinhas desavisadas. Em uma das histórias mais engraçadas, uma idosa pergunta, no balcão de informações, sobre uma improvável viagem ao Iraque. A autora também teve acesso à sala de controle da rodoviária. Segundo ela, o lugar parecia mais um museu. “Um dos meus personagens preferidos é o Marcos. Ele trabalhava na sala de controle do terminal e foi a pessoa que me apresentou o lugar. Acho que ele tinha noção do estado crítico dos equipamentos. Vi muito computador quebrado e umas velharias mesmo. Encontramos uma régua em que estava escrito ‘7/81’. Chegamos à conclusão de que aquilo era uma data.”
Quando Vanessa precisou consultar algumas reportagens que já tinham sido publicadas sobre o Terminal Rodoviário do Tietê, fez uma rápida pesquisa no Google. Comparando os textos, chegou a uma conclusão implacável. “Era tudo muito parecido. Só mudavam os números. O texto era igual, uma fórmula.”
Pois é, Vanessa criou a crítica mais direta e provocante ao jornalismo diário dos últimos tempos. “Com o ‘gerador automático de reportagens’, tudo ficaria mais fácil. Os próprios jornalistas poderiam sair mais cedo do trabalho. Não precisariam passar tantas horas nas redações…”
Vanessa acredita que os jornais estão chatos. “É claro que os jornais diários são importantes, mas não sou leitora deles. Acho que o jornalismo deveria contar mais as histórias das pessoas, ser mais interessante”, opina.
A autora não sabe se a administração do Terminal Tietê (Socicam) gostou do seu livro. “Mas agora estou com medo de pegar ônibus lá. Não sei o que pode acontecer comigo”, brinca.
No final da entrevista, já com o ‘gerador de reportagens’ desligado, Vanessa avisou que estava indo para a emergência – cuidar das brotoejas, dos soluços e dos espirros. Tudo culpa de uma simples entrevista por telefone. “Ah, Vanessa, essa conversa vai entrar na matéria, tá bom?” E ela respondeu, rindo. “É, não dá pra confiar em jornalista.”
Trecho do ‘Livro Amarelo’
“…As pessoas vêem a placa ‘informações’ e acham que podem perguntar qualquer coisa, sei lá, a raiz quadrada de 32, o sentido da vida. ‘Onde é que eu posso comprar um teco de pimenta?’, um homem perguntou para a Silvana, atendente do local. “(…) Um dia, chegou uma velhinha perguntando: ‘Moça, onde eu faço inscrição pra ir pro Iraque?’.”