Coisas cada vez maiores

Postado em: 9th agosto 2008 por Vanessa Barbara em Clipping
Tags: , ,

O Verão do Chibo, de Vanessa Barbara e Emilio Fraia, é o primeiro romance dos jovens escritores paulistas. Um livro sobre o poder de inventar suas próprias histórias e as ameaças estrangeiras da vida adulta

O Povo Online
09 Ago 2008 – 01h04min

por Pedro Rocha

Uma ficção escrita a quatro mãos. Vanessa Barbara e Emilio Fraia são os autores d’O Verão do Chibo, o primeiro romance dos dois jovens escritores, nascidos no mesmo e recente ano de 1982, em São Paulo. O livro é um mergulho no universo narrativo infantil. Mas esse adjetivo não cabe aqui no sentido de um segmento editorial destinado às crianças, nem também no que lhe atrela a outros qualitativos como “imaturidade”. O romance de Vanessa e Emilio, pelo contrário, trata do amadurecimento na passagem da infância para a adolescência, e o faz em um estilo coeso, valendo-se das potencialidades da recriação ficcional do “real” pelas crianças.

O livro é narrado pelo caçula de uma turma de quatro amigos que se encontram durante as férias nas casas de veraneio das famílias. O verão instaura um tempo próprio com sua casa na árvore e o milharal, onde eles se ocupam de brincadeiras diversas que se enredam numa história intrincada com espiões, zona proibida, homens de galochas azuis garbosas, um besouro velocista, bebedeiras com água e a Rainha da Bulgária. Mas o referido verão do título marca um novo momento em toda essa história. O irmão do protagonista, o Chibo (os outros amigos são Bruno e Cabelo), está virando homenzinho e nesse ano não participa mais das brincadeiras. Mas essa razão etária não chega a ser suspeitada pelo caçula, que nutre uma profunda admiração pela inteligência aguda de Chibo e, nesse verão, sente uma espécie de orfandade pelo sumiço do irmão.

Os autores também passaram a infância juntos, moraram no mesmo bairro. Depois, se graduaram na mesma faculdade de jornalismo. Colaboradores de revistas como Piauí e Trip, dois dos veículos mais afeitos aos dotes literários do jornalismo, Vanessa e Emilio conseguiram arquitetar uma literatura que não revela as possíveis fissuras de um texto escrito a dois. Principalmente, porque não trata-se de uma narrativa clara, linear, em que as coisas se encadeiam e a trama narrativa, mesmo sendo importante, não é o eixo principal, ao menos não no sentido de um desvelar final.

O Verão do Chibo, mais que contar uma história, as embaralha. A linguagem não se limita ao vocabulário do próprio menino narrador. O texto, rápido, por vezes convulso, vai se entremeando entre memória, descrições, pensamentos, diálogos, sem que essas fronteiras sejam demarcadas. O tempo é impreciso e o espaço, um milharal próximo às casas, é deslocado para distâncias imaginadas como a Bulgária e o alto mar.

SERVIÇO:

O Verão do Chibo, de Vanessa Barbara e Emilio Fraia (Alfaguara, 120 páginas, R$ 23,90).

TRECHO:
“O Bruno tinha os pés afundados na terra e tentava pensar em coisas cada vez maiores, na ordem, até que elas fossem tão grandes que não coubessem mais nas idéias. Então ele deixaria de existir. Porque a gente não morre de ficar parado – não, não pode ser verdade -, a gente morre de explodir a cabeça, de entupir tudo lá dentro, cinco elevado a cem, doze mil novecentos e cinqüenta e quatro, dez vezes um bilhão, até ficar completamente… vazio. Mas era difícil passar de dezessete galáxias, ainda mais com aquele calor. O Bruno não tinha idéia do que podia ser maior que dezessete galáxias com exceção de dezoito (enfileiradas), e não conseguia parar de pensar no isqueiro do Cara Morto”.