Com o cotovelo não pode”, grita um popular. “Tá saindo música aí?”, pergunta uma senhora, em meio à roda de curiosos. São duas da tarde de uma sexta-feira no Largo de Santa Cecília, em frente à estação de metrô, e há um piano à disposição dos passantes. “Isso aí é mais brinquedo do que instrumento”, repara uma baixinha de óculos, criticando impiedosamente a técnica dos músicos.
O projeto se chama “Play Me I’m Yours” (toque-me, sou teu) e faz parte da Mostra SESC de Artes 2008, que distribuiu oito pianos em pontos estratégicos da cidade, como o Pátio do Colégio, o Poupatempo da Sé e a Estação da Luz. Durante dez dias, a população pôde apreciar e usar o instrumento à vontade. Alguns ficaram tímidos e só observaram de longe, como uma moça, que justificou: “É que eu toco muito bem, daí iria aglomerar muita gente e obstruir a entrada do Metrô.”
Nesse dia, muitos cruzaram com o piano e tentaram dar sua contribuição à música mundial. Daniel, jovem morador de rua, castigou as teclas envolto numa manta xadrez. Na seqüência, veio a jovem Rebeca Prudente, que “faz isso quase sempre”, e um sujeito chamado Daniel, que tentou tocar a música-tema do filme Caça-Fantasmas, mas só o que conseguiu foi uma canção não identificada. O transeunte Severino Galdino também se aventurou, e uma moça lhe perguntou: “Você sabe tocar o Bife?” Ali mesmo, diante da igreja de Santa Cecília, padroeira dos músicos, veio também um senhor de gorro marrom e mochila nas costas, perguntando se o piano estava à venda. Disse que conhecia a marca do instrumento (Fritz Dobbert) e, ajeitando os óculos, perguntou se podia fazer as honras. Sentou-se na banqueta e tocou habilidosamente Beguin the Beguine e Águas de Março. Seu nome era Ideval Araújo e ele foi ovacionado pelo público, que gritava: “Vai, Beethoven.”
Quem também apareceu para tocar foi uma figura lendária em Santa Cecília, Daniel Brasileiro, que se diz autor da música Fogo e Paixão, cantada pelo Wando. Ele mora há 23 anos na região e é conhecido como compositor. Daniel age como protetor do piano e, às vezes receoso das cinzas, confisca o cigarro dos músicos. Ele toca Fascinação, Gracias a La Vida e dá lições de piano aos curiosos. Vez ou outra, faz uma pausa e vira para a platéia: “Quando toquei para 10 mil pessoas, era só eu e o piano.”
Alguns tocam com dois dedos, outros só passam e martelam as teclas. Em Santa Cecília, tocou a garota de vermelho, o amigo de boné, o moleque de uniforme. Tocou gente de madrugada, como Alexandre Piacsek e seu Acácio, que ficaram amigos. Tocou pianista clássico, professor de música, deficiente visual e criança. Tocou um senhor barbudo que abriu caminho entre os mendigos e improvisou o Hino do Corinthians. Teve até gente que tocou Raul Seixas e um sujeito que admitiu: “Bebi tanto que não sei como estou acertando as notas.”