Site da ABJL – Academia Brasileira de Jornalismo Literário
05 de dezembro de 2008
“O Livro Amarelo do Terminal”,
de Vanessa Bárbara.
CosacNaify, 253 págs., 2008
por Edvaldo Pereira Lima
Este “livro-reportagem em crise de identidade”, como define com muito bom humor a própria autora, marca a estréia, no formato livro, de um talento genuinamente promissor em Jornalismo Literário. Produzido inicialmente como um TCC – Trabalho de Conclusão de Curso – de graduação em jornalismo, na Faculdade de Comunicação Cásper Líbero, em São Paulo, chega ao público numa combinação de criatividade ousada entre o texto da escritora e o projeto gráfico da editora, assinado por Elaine Ramos e Maria Carolina Sampaio.
A CosacNaify, editora especializada na produção de livros de arte, decide abrir uma linha de narrativas da vida real, estreando com duas obras, exatamente este livro aqui comentado e “O Santo Sujo: A Vida de Jaime Ovalle”, de Humberto Werneck, já contemplado nesta seção. No caso do livro de Vanessa, inova no design com uma capa que é uma colagem de bilhetes de passagem, formulários e outros documentos, prossegue com páginas de fundo amarelo e letras negras ou de fundo branco com letras azuis, navega por outros artifícios, visando sempre a criação de um estilo casado com o texto, ambos buscando refletir o modo particularmente singular com que a autora desenha o seu retrato do maior terminal rodoviário do Brasil, o do Tietê, na capital paulista.
A voz autoral de Vanessa reflete sua juventude – portanto seu olhar sem vício -, assim como seu modo desencanado de enfrentar os obstáculos quando decide mergulhar no mundo complexo do terminal, onde realidades transparentes convivem com verdades nem tanto. Ao procurar obter clareza sobre os contratos de concessão, delicia o leitor com a reprodução de uma série de telefonemas em que vai sendo empurrada de um funcionário a outro, de um setor a outro mais, numa espécie de epopéia pelo mundo da burocracia escamoteadora da divulgação pública obrigatória definida por lei.
A matéria não é investigativa no sentido clássico do termo. É Jornalismo Literário jovem, digamos assim, com algumas marcas fundamentais da modalidade – imersão, como já notamos, humanização, estilo próprio, criatividade – e uma alquimia de técnicas avançadas – como o terceiro ponto de vista autobiográfico – com um jeito maroto de contar histórias. Como neste trecho:
“Alguém deve ter caluniado Vanessa B., pois um dia ela conversava com as funcionárias do balcão de informações quando apareceu um supervisor. O moço, com walkie-talkie na mão e uniforme da Socicam, perguntou quem era V., o que fazia ali e se tinha autorização de alguma instância importante para existir justamente naquele local. Antecipadamente grata por essa especial deferência, V. rememorou as poucas pessoas célebres que conhecia, mas acabou desistindo. Ela tinha obtido autorização de alguém de bigodes, que, certo dia, assinou um ofício protocolado da faculdade e carimbou-o com o selo papal, mas não podia provar nada, não senhor”.
É desejável que, pelo bem da renovação do JL no Brasil e pela entrada de novas gerações neste universo, a Vanessa se entusiasme com o resultado de sua incursão. Que traga a público, no futuro, outras escavações arqueológicas bem-humoradas em tantos outros terminais por aí que merecem ser retratados com vigor e firmeza, mas sem a neura negativista cética de tanta gente que perdeu o sabor de viver.