Firmo de Faria, 83 anos, dono de um lendário bar no Mandaqui (à Rua Ires Leonor, 181), é um senhor de movimentos lentos e olhar de quem já viu de tudo. Há quase 60 anos, todos os dias, ele está atrás do balcão servindo bebidas, cigarros, pãezinhos, balas e até canetas. O bar é um pouco escuro, mas acolhedor, e existe no bairro desde março de 1950 – até antes do restaurante nordestino O Mocofava, na mesma rua desde 1976. Alguns o tratam de “seu Firmo”, outros só usam “seu Faria” (há polêmicas), mas o fato é que todos o conhecem e passam acenando. Seu Firmo às vezes parece triste, outras vezes se engaja numa conversa inflamada sobre algum acontecimento local. Tem dias que usa boina, tem dias que fica apenas sentado no balcão, cansado de olhar o relógio.
O Bar do Firmo fica em frente ao ponto de ônibus, um poste verde sem toldos e nem bancos para sentar. O proprietário disponibiliza cadeiras de plástico aos que esperam o coletivo e sempre acena para todo mundo, dizendo: “Vais passear, menina?”, mesmo que seja segunda de manhã e esteja chovendo. Há um japonês que toma cerveja ali todos os dias desde o Descobrimento, e um sujeito muito simpático de bochechas grandes. Eles caminham em ziguezague de volta para casa quando o seu Firmo fecha seu estabelecimento, antes de escurecer, e há quem diga que demoram para conseguir enfiar a chave no buraco da fechadura.
As mulheres têm um carinho especial pelo dono do bar, que nunca deixa de cumprimentá-las com um respeitoso: “Oi, linda”, quando uma delas passa por seu campo de visão. Elas se sentem lisonjeadas e jogam o cabelo de forma ousada em resposta ao galanteio. Mas não deviam se empolgar tanto – fontes fidedignas já viram passar, do outro lado da rua, uma senhora de aproximadamente 90 anos que foi recebida com um “Oi, linda”.
Seu Firmo já viu muito agarra-agarra e atropelamento no ponto de ônibus; já viu uma Kombi matar uma senhora e muitas outras coisas tristes. No fim da tarde, ele olha para o céu em busca de sinais meteorológicos, embora more ao lado do bar. Lembra do tempo em que havia cavalos soltos na rua e pouquíssimas casas construídas. Lembra também da época em que vendia muito pãozinho de manhã – agora os pães se amontoam nas estantes, entre garrafas de pinga e baleiros, e nenhum comprador faz fila.
Ultimamente, seu Firmo está sendo ameaçado pela presença de outro bar bem ao lado, construído na garagem de uma casa. O boteco tem uma televisão e uma mesa de sinuca, fecha às 11 da noite e toca forró aos sábados e domingos. Os donos do imóvel são seus próprios compadres que o conhecem há 60 anos. Ele fica chateado, mas se recusa a desistir: “Estou com essa idade, não posso ficar em casa parado”, diz, e torna a abrir o bar todas as manhãs.
Em tempo: esta semana, o Firmo disse que vai esfriar.