Piauí n. 28
Janeiro de 2009
por Vanessa Barbara
A eletrizante programação do transporte público paulistano
Em São Paulo, a bordo do ônibus Praça do Correio/SESC Orion, linha 5 317, o cidadão pode passar 119 minutos até atingir o destino final. Muita gente viaja de pé. Embora o percurso à tarde seja razoavelmente livre de trânsito, é possível envelhecer lá dentro.
“Para se fazer um atabaque, cortam-se pequenas ripas…”, é uma das coisas que o paulistano aprende durante o trajeto. Desde o começo do ano passado, 1 034 coletivos receberam monitores de LCD com programação das companhias BusTV Brasil, TVOut, BusMídia e TVO. Assim, é possível embicar na avenida 23 de Maio como um leigo e sair dela na condição de semi-especialista em confecção de atabaques. A TVO, presente em 468 coletivos de oitenta linhas, como a SESC Orion, conta com a cobertura geográfica mais ampla, “especialmente desenvolvida para o entretenimento dos usuários de transporte público”. Exibidas em aparelhos de 17 polegadas, as vinhetas de um minuto e meio apresentam dicas de saúde, beleza, cidadania e boas maneiras. Apesar de permitido pela portaria da SPTrans, a programação não tem som, segundo a TVO, para respeitar “o direito que os passageiros têm de não serem incomodados”.
Enquanto o ônibus passa pela avenida Interlagos, o viajante aprende o que é memória RAM e assiste a uma animação (incompreensível) com pinguins que tomam bolas de neve na cara. Em seguida, é submetido à propaganda de um desodorante seco, com legendas minúsculas. De dez em dez minutos, o sermão: “Você sabe o que é sífilis? Informe-se antes que seu bebê descubra.”
A maioria dos usuários tenta não prestar atenção nas imagens que se sucedem, brilhantes e vertiginosas, nas telas à frente. Encostam a cabeça no vidro ou olham pela janela. Há um monitor na ponta dianteira do ônibus e outro diante do cobrador, de modo que poucos bancos ficam imunes ao bombardeio visual.
Algumas das vinhetas da TVO contam histórias de figuras locais, como a do jogador de basquete Marcos Vinícius, que, antes de se profissionalizar, pegava três ônibus para ir aos treinos. Outras dão dicas de atrações no interior de São Paulo, como a Folia com Bonecões, em Atibaia, em que há figuras gigantes com cabeça de papel machê. Também na telinha, um pacato senhor dá instruções sobre a pesca de matrinxãs. Quando o ônibus já está na avenida Senador Teotônio Vilela, lotado, e o termômetro marca 32 graus, os passageiros são presenteados com vívidas imagens das cachoeiras de Brotas, de praias e de rios caudalosos.
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O espectador, que paga 2,30 reais pela passagem, também aprende curiosidades históricas sobre os óculos, o relógio, o algarismo romano e o rinoceronte. E no final, ainda com meia hora do trajeto faltando, eles estão de volta: o atleta Marcos Vinícius, a memória RAM e os matrinxãs.
No metrô, o viajante dispõe da TVMinuto, do Grupo Bandeirantes. O cardápio de atrações inclui blocos de dez segundos com as principais manchetes do dia (“Karl Lagerfeld cria moeda de ouro com rosto de Coco Chanel”, “Exploração excessiva de atum vermelho diminui 10% em 2008”). O espectador ainda pode aproveitar as dicas de teatro, a previsão do tempo, os indicadores econômicos e o horóscopo – a propósito, os nativos de Libra devem tomar cuidado para não se entregarem aos prazeres da gula.
Toda a programação, silenciosa, é intercalada por vinhetas sobre o “plano de expansão do metrô”, em que os passageiros são informados sobre o funcionamento da Linha C-Esmeralda, a criação de novas estações, a modernização dos trens e as melhorias no sistema. Há também os alertas: “Não dê esmolas. Ofereça a sua ajuda a entidades assistenciais de sua confiança”, “Mantenha bolsas e mochilas à frente do corpo”, “Não deixe as crianças se sentarem nos degraus das escadas” e “Não segure as portas. Isso provoca atrasos em todos os trens”. Entre as notícias mais urgentes, há surpresas: “Comer barra de cereais é uma opção saudável e prática para o lanche.” Algumas empresas também anunciam nas telas, como se não bastassem os displays de propaganda junto à parede e ao teto do vagão.
Com a Lei Cidade Limpa, a capital paulista ficou proibida de veicular propaganda em cartazes pelas ruas, mas nos subterrâneos e dentro dos ônibus, a terra é de ninguém. No metrô, há propaganda nas catracas, nas colunas, nas escadas rolantes, nas paredes, nas janelas e nos vagões. Alguns dos trens são envelopados com reclames de refrigerantes, faculdades, chocolates, instituições de crédito e perfumes. Juntam-se a isso mais 528 monitores nos trens da linha verde, 2 256 na linha vermelha e 2 448 na linha azul.
E, ainda assim, o paulistano médio não aprendeu a fazer um bom atabaque.