Às quintas-feiras à tarde, havia aula de francês na faculdade do Mosteiro de São Bento. Lá fora, o sol batia em cheio nos camelôs, os executivos saíam para almoçar e as estátuas vivas escorriam tinta do rosto. As pessoas comiam cachorro-quente com purê de batatas, enquanto um bar era fechado pela vigilância sanitária. Lá dentro, porém, era século dezenove: a sala de aula dava para o jardim do mosteiro e a gente aprendia os partitivos, o futuro próximo e os pronomes “en” e “y”.
O professor Alfredo Fressia reclamava do calor e nos dizia, filosoficamente, “ça met longtemps pour se devenir lui-même” (é preciso muito tempo para se tornar si mesmo). As salas eram enormes, com pé-direito alto e crucifixos por toda parte. Havia dez alunos por turma, algumas velhinhas de vestidos floridos e um delegado de terno sob um calor de trinta graus. Os monges se confundiam nas conjugações e o professor Alfredo recitava poemas. Não havia prova e nem chamada oral. A gente lia trechos do romance Manon Lescaut, achava que “chaussures” eram salsichas e conversava sobre a vida, a meteorologia, os trens de alta velocidade. Houve uma aula, em pleno verão, em que passamos duas horas falando só de gansos. Discutiu-se de tudo: dos gansos do Capitólio, do ímpeto agressivo da espécie e do fato de serem “animais multiuso”. A conversa foi derivando para a diferença entre grilo e grelha, depois passou ao termo em francês para “carrinho bate-bate” e, por fim, aterrissou estrondosamente num poema em latim que dizia: “Cacatio matutina (est) medicina. Cacatio meridiana nec bona nec mala. Cacatio serotina ducit hominem ad ruinam”, uma trovinha graciosa sobre os benefícios de frequentar o banheiro pela manhã.
Nas aulas de francês, a gente aprendeu de tudo. Na maior parte do tempo, tratava-se de “un bavardage inconsistant”, ou seja, um notório papo furado, que, não raro, terminava com um trava-língua qualquer: “Ton thé t’a-t-il ôte ta toux?” (Teu chá tirou a tua tosse?). No fim do ano, debatemos um crime hediondo em detalhes, com os verbos todos no lugar. Eu sei recitar até hoje que “a polícia encontrou pedaços de um cadáver num vagão de trem”, e que, nas semanas seguintes, mais membros do mesmo corpo foram encontrados em outros trens. Faltava só uma coisa: a cabeça. Jamais foi encontrada.
Alfredo fazia troça das frases do livro de exercícios: “‘Teus sapatinhos novos me agradam’, que frase mais babaca”. Já o professor de latim, baixinho e sereno, vivia passando vagarosamente e cumprimentando o abade. Na parede, não havia relógios. O tempo corria para trás nas aulas de francês do mosteiro São Bento — como se fosse sempre à tarde e nós usássemos chapéus.