É uma tarde de verão no interior da zona norte de São Paulo. O asfalto do chão frita com o calor de 35 graus. De bermuda azul, óculos Ray-Ban e pochete, sem boné, o carteiro Vitor Donizetti Silva, 51 anos, vai trançando os dois lados da rua, distribuindo cartas como se estivesse de olhos fechados. Conhece todos os moradores da área e anuncia sua chegada com um vozeirão que ecoa pelos quintais: “Correio!”. De vez em quando, acrescenta: “Tem que assinar”. As pessoas vão saindo às portas, uma a uma, no ritmo da entrega das cartas.
Conhecido como “Gigante”, Vitor passa pela rua cantando hits variados e cumprimentando as pombas. Aos moradores, dá “Boa Páscoa”. É dezembro. “Quando é Páscoa mesmo, aí é ‘Feliz Natal’”, ele explica, muito sério, arrastando cinco quilos de papéis na mala. Carteiro há trinta anos, trabalha nessa região há seis. Mora no bairro da Cachoeirinha, perto do cemitério. Entrega “desde cartinha de amor até intimação”, embora o impresso mais comum seja a mundana conta de luz.
Acorda às seis todos os dias, entra às 8h30 na central, em Santana, e fica até a hora do almoço fazendo triagem das cartas. Depois começa a jornada pelas ruas do bairro, subindo e descendo morros até escurecer. Gosta muito do frio, porque é menos cansativo. Mas solzão, “peloamordeDeus”, ele diz, maldizendo a chegada do alto verão. “Imagina a hora que o calor pegar”, comenta, entregando um catálogo na casa de duas crianças que nadavam numa piscina de plástico. Ele ameaça entrar na água, mas já está atrasado e tem que apertar o passo.
“Gigante” é um dos nomes que usa para saudar as pessoas na rua. Também utiliza “mister” e “hello”, além de patentes militares ou o próprio sobrenome do morador. Vitor, que tem o exato timbre de voz do cantor Louis Armstrong, sai anunciando: “Ô, coronel! Aqui tem uns dólares, ok?”. E, para outro: “Vai chover. Está aqui na planta”, diz, ao deixar a encomenda em cima de um vaso. Diligente, Vitor sabe de cor quem mora em cada casa. “É do 26, né?”, ele acerta, quando um ilustre mandaquiense passa de carro e abre o vidro para receber a correspondência.
Entre as inquietações do ofício, estão os carros que quase o atropelam, os cães bravos e os chicletes no chão. “Já viu ele com a lanterninha na cabeça?”, pergunta um morador, referindo-se à ousada lanterna de espeleologia. “Eu quase bati o carro quando vi aquela luzinha ali no escuro.” Trata-se de uma das maiores atrações da rua: quando escurece, o Gigante põe uma lanterna na cabeça e sai distribuindo as cartas. “Foi presente do 124”, diz o vaga-lume carteiro, avançando por um dos lados da rua. Falta pouco tempo para o Gigante se aposentar. Ao que tudo indica, vai ser um silêncio nas tardes de calor.