No meio do fechamento de uma matéria, ou de um prazo apertadíssimo, meu pai abria a porta do quarto e interrompia tudo para mostrar uma joaninha. Ele coletava os animais no jardim e vinha me mostrar nos horários mais inconvenientes, oferecendo um relatório dos hábitos diurnos dos bichos. Dava preferência às lagartas: acompanhava a evolução dos casulos, aparecia para contar as novidades e às vezes abrigava algum bom lepidóptero debaixo de uma folha, quando estava chovendo.
Em casa, surgiam vizinhos no meio da tarde pedindo para passar um fax a respeito de um álbum incompleto de figurinhas da Barbie. Ou um desconhecido vinha trocar sacolas de supermercado por pães de mel, sabe-se lá com que intenções. Alguns pediam ajuda para imprimir o currículo. Tocava-se a campainha pelos motivos mais diversos, e a gente emprestava escadas, livros, cebolas e chaves de fenda, às vezes nessa ordem, no mesmo dia e para a mesma pessoa.
Com isso, minha mãe acabou inaugurando um novo sistema de troca entre os habitantes locais – ela é uma espécie de Centro Local de Necessidades do Cidadão. Fulano está precisando de uma placa de rede para o PC ou de uma pedicure, ela encaminha às instâncias cabíveis e cuida para que todos fiquem satisfeitos. Sicrano não sabe o que fazer com quinze sachês de molho agridoce, ela encontra alguém que está precisando. Um dia deixaram um espelho no nosso jardim. A gente arrumou um destinatário imediatamente. Ela também coleta computadores de dez anos atrás, tenta consertá-los e implora peças com os profissionais do ramo, que ainda lhe dão dicas de eletricidade. E funciona 24 horas, vejam só.
Às vezes ela recebe um pão de calabresa em agradecimento, plantas, abacates ou uma posta de peixe. Já as freiras da região pagam em dinheiro e em orações – que ela pode pedir para terceirizar, quando sabe que outra pessoa está precisando.
Acabei me desviando do assunto; a questão é que, lá em casa, era difícil se concentrar em qualquer tarefa. A tarde era um constante ir-e-vir de gente descarregando coisas e telefonando, o que pode ser edificante quando não se tem que entregar um texto para anteontem. Trocavam-se incessantemente pilhas, panquecas, santinhos, agulhas de vitrola e programas de computador. Além disso, meu pai passava de lá pra cá com um radinho de pilhas colado ao ouvido esquerdo, desde a época da invenção do aparelho ou desde as 5 da manhã. Hoje, com a mudança para um bairro menos movimentado, há que se acostumar com o silêncio.
Mas nem tudo está perdido: minha nova vizinha acaba de ganhar um cachorro e vai precisar de jornais velhos para absorver os pormenores intestinais do animal – com todo respeito à perenidade e à relevância do trabalho periodístico –, portanto, agora teremos que montar um esquema diário para a exportação e importação dos jornais. Boa notícia. Espero que a vizinha de baixo goste de falar de lagartinhas.