A antropóloga baudelairiana do Mandaqui

Postado em: 25th agosto 2009 por Vanessa Barbara em Clipping
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25 de agosto de 2009
http://danielraurelio.blogspot.com/2009/08/antropologa-baudelairiana-do-mandaqui.html 

por Daniel Rodrigues Aurélio

DEPOIS DE LER O livro amarelo do terminal (CosacNaify, 2008), da jornalista e escritora paulistana Vanessa Barbara, tomei a minha decisão “em caráter irrevogável” – à moda Mercadante descobre o Twitter: daqui por diante, não vou me arrogar o título de escritor. Eu estava enganado. Sou redator, operário das letras, batucador de teclados, escrivão de curiosidades, serial killer da sintaxe, mas escritor, escritora, é a Barbara. Só de imaginar que este livro é originalmente a sua monografia de graduação, e recordar o pito público do argüidor sobre as piruetas retóricas no meu TCC, minha autoestima desce junto com o Pica-Pau nas Cataratas. E, agora, como acabei de pedir exoneração da repartição literária, chuto o balde com um trocadilho batido e um clichê publicitário: Vanessa é bárbara e o livro desce macio e reanima.

Soube d´O livro amarelo do terminal ao virar as páginas da edição 22 dapiauí. Era julho de 2008 e eu estava na contagem regressiva para os Jogos Olímpicos. Colaboradora da revista de João Moreira Salles (ele assina a orelha do livro), Vanessa Barbara publicou umas histórias sobre o Terminal Rodoviário do Tietê. A matéria com trechos da obra no prelo era uma etnografia sentimental e romanceada de um espaço de circulação apinhado de drama, humor, símbolos, representações, sentimentos, corações partidos e fanfarronices. Aquele tira-gosto d´O livro amarelo me colocou em alerta máximo: preciso desse livro!

Bom, há pedras no caminho e tal. Admiro a CosacNaify. A sede fica na rua General Jardim, coladinha à Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, e o objeto-livro para eles é obra de arte. Mas o projeto gráfico d´O livro amarelo do Terminal parecia ter passsado uns minutinhos do ponto. Tostou no forno. O conceito é afiadíssimo, mas à primeira vista a prosa divertidíssima de Vanessa Barbara se perdia entre borrões, páginas amarelas, fontes azuis, carimbos, espaços duplos e demais intervenções. Peguei, folheei, matutei e larguei o livro dezenas de vezes na livraria. A CosacNaify cortou meu barato. Anticlimax editorial. Fiquei nessas de cercar, rodear e flertar por uns bons meses até o dia em que arrisquei a sorte. Tomei a atitude. E percebi que a editora não errou em nada. E a autora acertou tudo!

Vanessa Barbara, a moça do Mandaqui, é uma flaneur baudelairiana. Uma antropóloga urbana que desencanou do cânone acadêmico. Sujou os sapatos por entre plataformas de embarque, balcões de informações e guichês da Viação Cometa. Sua introdução remete a reportagem “Nova York é uma cidade de coisas que passam despercebidas”, do jornalista e escritor Gay Talese, e eis a virtude revelada: beber a água cristalina da melhor fonte do jornalismo literário. Talese approved. Vou relembrar aos desatentos: O livro amarelo do terminal é uma monografia. Uma monografia! E, de repente, o livro-reportagem para receber diploma superior, mimos da banca e aplausos dos amigos na cervejada envereda para o humor sutil, a imaginação delirante e para uns bons tabefes de ironia na robotizada relações-públicas da Socicam, empresa admistradora do Terminal. A antropóloga baudelairiana do Mandaqui desfila o seu talento de narrar o cotidiano sem triscar na pieguice. A autora dá voz ao entrevistado e não o enquadra em suas hipóteses e pautas. Um jornalismo raro. Uma escrita mais rara ainda.

O livro de Vanessa Barbara, ex-colunista do Estadão e co-autora de O verão do Chibo (Alfaguara, 2008, 128 pg, com Emilio Fraia) concorre ao Prêmio Jabuti. E mais não conto, porque O livro amarelo do terminal dispensa o meu quásquásquás de juntador de palavras.

UPDATE: Ganhou o quelônio na categoria Reportagem! Confira aqui!