Por que instistimos em ter animais domésticos?

Postado em: 23rd janeiro 2010 por Vanessa Barbara em Brasil Econômico, Crônicas
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Quando decidi comprar duas tartarugas de água doce, Jacinto e Napoleão, de cinco centímetros de diâmetro, não sabia que voltaria para casa com um termostato submersível de 50W, uma bomba de água com vazão de 280 litros, um reptofiltro, uma lâmpada fluorescente de raios UV e um suntuoso aquaterrário com cascata, que é uma espécie de Caribe dos animais dulcícolas. Levei também um suplemento vitamínico que libera cálcio e vitamina B1, impedindo o amolecimento dos cascos, mas dispensei a pedra aquecida, o nebulizador de ambientes, o substrato de coco verde e um tronco flutuante de 150 reais onde os animais poderiam se divertir nas tardes mais enfadonhas. Naturalmente, a água tem que ser potável. A ração possui alta digestibilidade e vem enriquecida com sete vitaminas e ferro.

Ainda assim, Napoleão come cocô.

Na minha época, as tartarugas ficavam boiando em bacias cheias de água turva da torneira, e assim estava bom. Comiam carne crua, passeavam pelo quintal quando havia sol e não recebiam nenhum nome definido. Hoje, elas vêm com certificado de origem, são registradas no IBAMA e exigem que o candidato a dono assine um termo de responsabilidade, sujeito a ação penal e à legislação que trata de crimes ambientais. As minhas têm marcação individual e foram batizadas de Jacinto e Napoleão, como já disse, a despeito de serem fêmeas e de não atenderem quando são chamadas. (Nota explicativa: o nome “Napoleão” é uma homenagem ao gramático Napoleão Mendes de Almeida, autor de Dicionário de questões vernáculas, e não ao imperador). Ambas têm dois meses de vida, pertencem à fauna silvestre brasileira e são da espécie Trachemys dorbignyi, popularmente conhecidas como tigres d’água – devido à ferocidade, imagino.

Jacinto e Napoleão passam o dia inteiro tomando sol, comendo e dormindo. Mesmo assim, há horas em que me preocupo com a respiração ofegante da menorzinha e saio a pesquisar sobre pneumonias, avitaminoses, gastroenterites e prolapsos. A certa altura, me julguei incapaz de criá-las. Seria preciso ter doutorado em biologia e ganhar o primeiro milhão antes dos 30 anos, pensei. Considerei a possibilidade de trocar Jacinto e Napoleão por um cacto, ou quem sabe uma pedra-pomes, mas acabei desistindo ao descobrir a complexidade da composição da terra, drenagem e temperatura adequadas aos cactáceos. Isso acabou me intimidando também quanto à pedra-pomes.

A verdade é que a vida era mais tranquila sem esses curiosos animais. Por exemplo: agora, é preciso convocar alguém para alimentá-las quando passo uns dias fora de casa. Cheguei a deixar telefones de emergência com o encarregado, caso uma das tartarugas tenha algum problema ou precise de alguém que saiba cantar Brilha, brilha estrelinha para embalar-lhe o sono. Em suma, não sei dizer de quem foi a ideia de adotar Jacinto e Napoleão, mas penso no assunto toda quarta-feira, ao trocar a água do aquário, escovar as pedrinhas, carregar baldes de meleca e demais atividades fedorentas.

Agora, enquanto escrevo, Jacinto mastiga a própria pata. Napoleão se esconde debaixo de uma planta, de onde desponta só o pescoço – uma verdadeira tartaruga-folha. Comem cocô, é verdade, mas me proporcionam espetáculos diários de saltos ornamentais, mergulho livre, técnicas de camuflagem e divergência entre irmãs. Orgulhosas, elas não tentam ser afáveis com ninguém, sobretudo se esse alguém for verde e estiver em seu caminho rumo à ração flutuante. São confusas, violentas e muito, muito pequenas.

Não sei de quem foi a ideia de adotar Jacinto e Napoleão, o fato é que aqui em casa ninguém mais assiste televisão.