Dos dezoito últimos temas abordados pelo programa “Globo Repórter” (Globo, sex. 22h), 38% pertenciam ao escopo da saúde, práticas alternativas e hipertensão. Outros 33% se referiam à vida selvagem. Há também a categoria “países exóticos” (16%), “psicologia materna”, “Doutores da Alegria” e “Chico Xavier” (os 13% restantes).
No “Câmera Record” (Record, sex. 23h), o programa de documentários da concorrência, o Pantanal apareceu duas vezes nos oito últimos episódios. Substanciais 37% foram devotados à saúde e alimentação. Porém, no dia 9 deste mês, ocorreu na emissora um feito digno de alarde: um especial que unia a vida selvagem às dicas de bem-estar. O título: “O Pantanal que salva vidas”.
Assistir aos dois de uma vez, um após o outro, é um exercício de resistência.
Naquela ocasião, na Globo, o assunto era a Amazônia. Logo de início, a câmera focalizou o repórter camuflado em meio à folhagem. Como era de se esperar, ele caminhou até chegar num ponto, onde mostrou ao espectador uma dicotiledônea com propriedades miraculosas e/ou cicatrizantes. “Por essas bandas é assim”, disse a narração, sempre criativa.
Por exemplo: os índios são chamados de “guardiões de toda a sabedoria”, a floresta é “cheia de mistérios” e a chuva “chega sem avisar”. Depois de um intervalo comercial, também sem avisar, o foco passou para a Nova Zelândia, do que se conclui que deve ter havido um saudável aproveitamento de material.
Nesse tipo de programa, a figura do repórter só serve para fazer gracinhas, apontar-e-mostrar zebras na paisagem e ter experiências antropologicamente desastrosas.
Enquanto isso, na Record, o tom era parecido, mas menos previsível. Um sujeito decidiu comer uma aranha e disse que tinha “gosto de caju”. Um pantaneiro descalço aceitou usar sapatos. Há um close ousado num tatu fedido.
Com vistas a contribuir para a fertilidade da imaginação dos produtores, aí vai uma lista de novos temas para os programas: aftas. O mecanismo das roldanas. Aqualoucos. Pelota basca. Tartarugas brutais. Gota. Extraterrestres. Metafísica aplicada. Código Morse. Ou partam logo para um especial sobre gordinhos hipertensos no Pantanal lendo Chico Xavier e domando zebus.