Muitas vezes, a TV nos faz envelhecer. Aqui em casa, há ocasiões em que permanecemos hipnotizados por horas a fio, sem conseguir desligar o aparelho, presos irremediavelmente num programa qualquer. Quando saímos do transe, é setembro e já temos bisnetos.
A atração pode ser ruim ou enfadonha, não importa. É comum escutar nossos neurônios estalando, fritando, cometendo suicídio. Ainda assim, por alguma razão, continuamos sintonizados.
A categoria de programas desnecessariamente longos inclui reality shows como “American Idol”, que até maio começava às nove da noite e ocupava toda a madrugada de sábado, no canal Sony. Há também os épicos infomerciais de cintas elásticas que se alastram pelos canais numa espécie de loop demente.
Na Record, houve uma edição do “Programa do Gugu” (dom., 16h às 20h) em que se construiu uma casa para uma espectadora. Tudo nos fazia acreditar que o processo era exibido em tempo real, pois o programa deve ter durado umas boas duas horas. Prego a prego.
Nosso novo entorpecente domiciliar é o “Tribunal na TV” (Band, sex., 23h15), programa que faz a reconstituição dramática de crimes polêmicos, sob a narração do jornalista Marcelo Rezende.
No dia 23, o caso era um homicídio por asfixia de gás, estrangulamento e afogamento de uma mulher grávida de 9 meses, perpetrado pelo próprio marido na banheira de hidromassagem. O apresentador, num texto exageradamente emotivo, lança mão de inúmeras pompas narrativas para criar suspense, antecipando as atrocidades que virão e pondo em dúvida o desfecho.
Um grupo de atores sui generis assume o papel de cada um dos envolvidos. Com a naturalidade de um filólogo parnasiano, eles dizem coisas como: “O que é um filho, senão o reflexo de um amor?”. Ou: “Ele nunca me inspirou confiança. Ora grosseiro, ora distraído”.
O crime é contado de forma fragmentária, cheia de saltos temporais, talvez com a intenção de manter o espectador mentalmente confuso, sem condições de se defender desligando o aparelho.
Foi o que houve conosco naquela sexta-feira. Ao fim do programa, acordamos do transe televisivo a tempo de botar nossas dentaduras no copo d’água e ir dormir, reclamando de um leve lumbago.