Entra em cena a atriz Giovanna Antonelli com uma malha preta. De olho no teleprompt, ela desata a falar sobre a realidade rural mexicana e a condição da mulher no início do século. Ou sobre a imigração argelina em países francófonos.
Está para começar o “Cine Conhecimento”, do canal Futura (seg-sáb 0h30, dom., 1h30), um programa deslocado no tempo e no espaço das grades de programação.
Primeiro, porque é veiculado de madrugada, naquele horário em que tudo é engraçado – logo após a hora em que nada faz sentido e antes daquela em que tudo faz. Segundo, porque a programação é imprevisível e comporta longas-metragens dos mais disparatados: entre os títulos já exibidos estão “Gosto de Cereja” (Kiarostami), “Fausto” (Svankmajer) e “George Washington Dormiu Aqui” (Keighley).
Há espaço tanto para as produções de Cingapura quanto para comédias colorizadas da década de 40, ou musicais em que Debbie Reynolds usa uma touca de natação, interpretando uma bola de futebol.
A grande graça do programa, porém, não são os filmes em si, mas os comentários proferidos pelas apresentadoras, que não se limitam a dar a sinopse, mas também detalham “as dimensões históricas, políticas e estéticas das obras e dos contextos que elas retratam”.
Na época em que foi lançado, em 1997, junto com a emissora, o “Cine Conhecimento” era mais didático e trazia curiosas interpretações marxistas acerca de filmes tolos. Hoje, infelizmente, os comentários são mais contidos.
Ainda assim, o texto pode ganhar ares surreais. Sobre “Fausto”, Leandra Leal afirma que “o mundo não se basta na razão e no conhecimento”. Sobre “Anel de Fogo”, Giovanna Antonelli destaca a gravidade dos incêndios nas matas. Em “O Mundo Perdido”, o diretor “trata com complexidade os elementos antagônicos aos personagens, como os homens-macaco”.
A grande diversão dos espectadores é adivinhar, com o filme já começado, quais foram os tópicos abordados na introdução e que raios a película acrescentaria de edificante aos que têm sede de saber. “Mercantilismo!”, arrisca um. “Choque entre gerações”, tenta outro. “Já sei! As Cruzadas”, conclui um terceiro, embora se trate de um filme mudo com temática marciana.