Resenha no blog “O Leitor Comum”

Postado em: 31st janeiro 2011 por Vanessa Barbara em Clipping
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31 de janeiro de 2011
Blog “O Leitor Comum”

por Arthur Tertuliano 

TÍTULO LIDO NA SEMANA
O livro amarelo do terminal, Vanessa Barbara

Sabe aquele livro amarelo da Cosac Naify?

Como dizer não? Você conhece boa parte do catálogo da editora – que se destaca com projetos gráficos fora do comum, diga-se de passagem –, então provavelmente já viu o danado do livro. A guria é bonita e inteligente – chamemo-la Y. – e a combinação ainda não fez você gaguejar, ou suar demasiadamente, ou esquecer que consegue conversar por mais do que meia hora sem chegar ao ponto de não ter mais o que dizer: a maldição da falta de assunto, o silêncio constrangedor, conspurcado apenas pelo cricrilar dos grilos.

Ahn… sim.

E o diálogo flui sem maiores sobressaltos.

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Meses depois, num café com um dos amigos mais recorrentes em minhas colunas – continuemos a chamá-lo K. –, ele me empresta dois livros: uma história em quadrinhos baseada num filme de Fritz Lang, ainda não lida; e O livro amarelo do terminal, de Vanessa Barbara.

O título parece ser apenas O livro amarelo e só ao abrirmos a orelha do volume é que lemos o restante. Uma brincadeira proposital, uma vez que o livro é quase que inteiramente… amarelo. Para variar, mais um projeto gráfico impecável da Cosac Naify. Nas páginas amarelas, em papel tão fino que permite ver o verso da folha, há um elegante cuidado com a diagramação para que as linhas do texto não se sobreponham. Nas páginas dedicadas à numeração dos capítulos, os traços da frente e do verso das folhas se misturam, criando figuras distintas nesse encontro.

Mas se o livro fosse meramente design gráfico, não sei se estaria na Cosac Naify. Como diria um clássico da sabedoria nacional: não é só um corpinho bonito, é muita cuca no lance.

O bom de ler livros indicados por alguém em cujo gosto confio plenamente é que consigo aproveitar melhor certas nuances e surpresas que poderiam ter sido reveladas na quarta capa, por exemplo. Confiando assim, não preciso ler orelha, quarta capa, resenha, ou crítica antes do livro propriamente.

No entanto, por algum motivo, enquanto ainda estava na metade da leitura d’O livro amarelo, fiquei curioso em saber mais sobre a autora e li as páginas finais, onde há uma breve biografia. A partir daí descobri que ela, “em 2003, fez as pesquisas e a redação d’O livro amarelo do terminal, como reportagem de conclusão do curso de jornalismo”. O que não chegou a ser uma grande surpresa, mas talvez tivesse condicionado a leitura do livro.

Afinal, eu estava lendo-o como um romance. Uma narrativa longa de ficção, sobre personagens diversos que convivem em certo ambiente: o terminal. Há dados, críveis, sobre cada setor do local, que poderiam ser fruto da pesquisa aprofundada de uma metódica escritora ou da imaginação de alguém capaz de escrever com admirável verossimilhança. Apenas as páginas brancas – que englobam os capítulos 14 a 16, que discorrem sobre A construçãoA inauguração e A consolidação do Terminal Rodoviário do Tietê –, em que há uma colagem de reportagens de periódicos diversos, aponta mais claramente a base jornalística do livro.

A leitura da prosa de Vanessa Barbara aproxima-se com a sensação que tenho ao assistir a alguns documentários. Não aqueles em que se finge que a câmera não altera o observado, num arremedo de neutralidade, cheios de vazios e longos silêncios. A câmera de Barbara é cheia de vida e parece-me mais uma chance para que aquelas diferentes pessoas contem um pouco de suas vidas do que uma amostra do quão bem a escritora consegue narrar tais histórias. Entre o balcão de informações e a sala de controle de onde são feitos os anúncios dos alto-falantes, Rosângela, Álvaro, Augusta e outros passeiam pelas páginas; trabalhando duro, indo para ou chegando de lugares distantes, mas com um sorriso no rosto.

Enfim, o livro emociona.

Update: Achei no site da Cosac Naify uma entrevista com as responsáveis pelo projeto gráfico do livro.