Os locutores bem que tentaram, mas não há conversa que se sustente diante dos delirantes enredos das escolas de samba. No Rio de Janeiro, por exemplo, a Mocidade Independente abordou a história da agropecuária brasileira, a Vila Isabel falou de cabelo e a União da Ilha escolheu o evolucionismo.
Um dos melhores temas foi o da Portela, com um samba-enredo sobre as grandes navegações. E dá-lhe Fenícia, Farol de Alexandria, galés do Oriente, especiarias, navios negreiros, Iemanjá e até um ou outro pirata, numa letra que “deságua na imaginação”.
É trabalho dobrado para os comentaristas, que precisam dar naturalidade ao texto fornecido pelas escolas e arrumar nexo histórico para tudo. Nessa balbúrdia, a Imperatriz Leopoldinense falou das origens da medicina e conseguiu ir dos curandeiros da África à vaca louca, passando por centauros e homeopatia.
“Esses chifres representam os chifres do antílope”, tenta explicar o narrador Luis Roberto, ou então: “Esta ala invoca o ritual de magia da mãe África, a sabedoria da mãe natureza que curava com batidas de tambor”.
No sambódromo, há um bloco de múmias “que representam o processo de conservação natural de corpos no antigo Egito”, segundo a locutora Glenda Kozlowski, fazendo o que pode.
Atordoado, Luis Roberto tenta aparentar espontaneidade: “Vamos dar uma passadinha pela China também, a influência do taoísmo na medicina…”. Silêncio. Ele faz sua última tentativa (5 de 5) de emplacar uma discussão sobre a “função precípua” da comissão de frente, que é de reverenciar a plateia e apresentar a escola aos jurados. Fala-se no nariz entupido do puxador Dominguinhos do Estácio, mas o assunto torna a morrer.
Na passagem da ala que homenageia os Raios-X, Luis Roberto pergunta à colega: “Sabe quando foi descoberto o Raio-X?”. Ela retruca, animada: “Não, me conta”. Ele diz que foi em 1895, e ela: “Passa rápido, né?”.
[especial para o caderno “Cotidiano”]