Folha de S. Paulo – Ilustrada
5 de dezembro de 2011
por Vanessa Barbara
Todas as sextas à noite, antes de existir televisão, a família se reunia em torno do rádio. Apagavam a luz e ouviam “PRK-30”, um programa de humor criado pela dupla Lauro Borges e Castro Barbosa, que parodiava atrações da época (noticiários, novelas, shows de calouros, transmissões esportivas) e caricaturava os clichês da radiofonia.
A PRK-30 se apresentava como estação clandestina e permaneceu vinte anos no ar, de 1944 a 64, exercendo influência sobre toda uma geração de comediantes. Há pouco, a editora Casa da Palavra lançou um livro com dois CDs remasterizados – “No ar: PRK-30”, de Paulo Perdigão –, que foi como conheci a verve retórica dos locutores Otelo Trigueiro e Megatério Nababo d’Alicerce (respectivamente, Lauro e Castro).
Um roteiro típico: o português Megatério introduz o prefixo musical, completamente desafinado e “executado com a coragem habitual por uma descongestionante orquestra de violinos de vara e trombones de corda”. Mas logo interrompe a desengonçada banda com um: “Chega! Não precisa caprichar tanto!”. E elogia a valsa que acabaram de tocar, “em compasso de ópera, ritmo de conga e marcação de bugre-bugre”.
Separados por uma gongada, os quadros duravam segundos ou não eram sequer transmitidos (depois de anunciados, mudava-se de assunto). O humor era inocente e desprovido de cinismo, não apelava para a grosseria, não ofendia e recaía num desvairado nonsense, com total desrespeito às normas linguísticas.
A PRK-30 era uma rádio 48% honesta, um colosso que seguia de popa em vento e uma emissora que raramente provocava náuseas em seus delicados ouvintes, veiculando as mais “avariadas” notícias de todas as partes do mundo e adjacências. Desdenhavam-se as outras estações, “que encerraram suas atividades porque quando nós começamos a ‘funcionejar’ fazemos um completo ‘manepólio’ das ondas ‘artrosianas’”.
Em “soberbas e abobalhantes” transmissões, Lauro e Castro exploravam o avesso das coisas. Eram os reis do trocadilho tolo e da adjetivação furiosa. Não faziam graça a partir do que era dito, mas de como era dito.
Ainda hoje os humoristas da TV teriam muito a aprender com Otelo, dono de uma “voz suave e quase destituída de gosma”, e Megatério, o único locutor que já mordeu a língua mais de dez vezes sem ter tido hidrofobia. E que sabia “falar inglês em vários idiomas”.
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