Folha de S. Paulo – Ilustrada
16 de janeiro de 2012
por Vanessa Barbara
Há um fenômeno televisivo pouquíssimo documentado que não tem nome, mas afeta a todos os espectadores sem distinção; para propósitos de estudo, iremos chamá-lo de Teorema do Disco Riscado, embora a expressão não faça o menor sentido hoje em dia. Só de invocá-lo, me vem à mente duas cenas: o discurso final de “Um lugar chamado Notting Hill” e a remoção do inseto do umbigo do herói em “Matrix”.
O Teorema do Disco Riscado ocorre quando a vítima se posta em frente à televisão, liga o aparelho e dá de cara com um filme que já viu, desenrolando-se no exato ponto das últimas três vezes. É como um sulco na grade de programação que garante uma reprise cada vez mais recorrente, quanto mais fundo se cava – se você já viu “Identidade Bourne” na TV quatro vezes, é certo que assistirá mais quatro, por pura contingência.
Um dos problemas do Disco Riscado Televisivo é que, nessas oito vezes, você fatalmente irá pegar a história no mesmo trecho – se tiver sorte, cinco minutos antes ou meia hora depois, e ai de quem se animar pensando que desta vez vai descobrir o que está havendo. Muitos espectadores sabem diálogos de cor, mas só intuem vagamente do que se trata o filme como um todo. (Ninjas ou mafiosos? Terremoto ou ameaça nuclear?)
Por sorte, o sulco repetitivo parece restrito a certos filmes ou episódios de séries – nas maratonas de “Friends”, é sempre aquele com o Russ.
Os demais seguem o Corolário da Persistência Recompensada: na primeira vez, você vai pegar um filme lá pelo meio e não irá entender patavinas. Na segunda, entenderá menos ainda, já que a trama está a poucos frames do final – mas, se continuar insistindo, um dia conseguirá juntar uma porção de peças essenciais, um tanto do começo, um flashback do fim, e conseguirá dar um sentido ao que viu.
Mesmo que seja totalmente equivocado.
Minha mãe, por exemplo, teve de assistir cinco vezes ao “Soldado Universal”, em prestações, até entender por que diabos enfiaram o Van Damme numa banheira de gelo. Quando lhe contei a sinopse de “A Força em Alerta” (visto três vezes), ela demonstrou intensa surpresa ao saber que Steven Seagal era um fuzileiro naval infiltrado no navio, especialista em artes marciais e mísseis, e não um simples cozinheiro sob ataque de piratas.
É a Lei do Maçante: a versão oficial nunca é tão divertida.
eu adoro fazer isso com séries. Pegar episódios aleatórios e inventar histórias magníficas que linkem um episódio com outro.
Dá pra fazer isso com Lost, mesmo se você assistir todos os episódios na seqüência.
Aaaahh!
Sem contar quando você pega filmes diferentes com o mesmo ator e inventa uma história que leve o ator de um filme para o outro.
“Tá legal… Depois de afundar num barco de camarões, o Forrest Gump foi parar sozinho naquela ilha, isso eu entendi. Mas não explica como ele ficou preso no aeroporto.”
Não entender uma coisa é tão melhor do que entender direitinho…