Folha de S.Paulo – Ilustrada
9 de abril de 2012
por Vanessa Barbara
Uma das coisas boas da vida é saber que há inúmeros universos funcionando de forma paralela e independente de nós, com suas regras próprias, linguagem, lendas, vilões e heróis. Isso vale para áreas complexas como a astroquímica no Brasil e também para temas prosaicos, como o setor dos parafusos, da escultura em legumes, dos tocadores de pífano, dos fãs de “Star Trek”, dos praticantes de vôlei e entusiastas do latim.
Sempre quis falar, por exemplo, das dançarinas bamboleando atrás do Faustão – quem são elas, quais são suas motivações e angústias? Quem é a mais invejada? Quem revolucionou a área?
Dito isso, foi com prazer que me vi perdidamente envolvida no mundo da criação do gado nelore, iniciando-me num Leilão de Muares que passou ao vivo no Canal Rural.
Foram quase 4 horas de portentosos bovinos desfilando na tela enquanto compradores davam seus lances por telefone e um especialista pecuário descrevia os atrativos de cada lote. Fiquei tão fascinada que foi preciso tirar o telefone de perto, ou agora mesmo teria um novilho pastando no meu quintal.
Em pouco tempo, entendi o básico: a venda era de prenhezes, em que se exibia a vaca grávida e sua previsão de parto. Forneciam-se os detalhes da gestante, sua genealogia e se gerou descendentes célebres.
Scarlat I, por exemplo, era uma vaca de grande consistência em sua progênie. “Ô, vaca maravilhosa!”, exclamou o leiloeiro, dizendo ser “pigmentada, feminina e com a caixa de crânio linda”. Ela chacoalha o papo, como se concordasse. “Tudo o que ela pare, ela pare muito bem.”
Identificava-se também o touro – não raro, o desgovernado Bitelo SS, campeão absoluto de paternidade.
“São prenhezes destacadas e de grandes matrizes, oriundas de um legado sagrado da raça nelore do Brasil”, exclamou o leiloeiro Aníbal Ferreira, emocionado. Na abertura dos trabalhos, lamentou a ausência do criador Ronaldo Alves, um homem, um mito, que muito cedo aprendeu “a discernir o certo e errado na criação do zebu”. Ele estava ausente porque esperava a chegada de um neto – humano, e não bovino.
Fui cativada pela prenhez da Sérvia 9, uma pechincha – 24 parcelas de 500 reais –, rês de qualidade que estava sendo visivelmente subestimada, apesar de ser “maravilhosa por dentro e por fora”.
Já Backiana era uma vaca com ótima habilidade maternal, muito comprida e mimosa. Não comprei, mas foi quase.