Folha de S.Paulo – Ilustrada
28 de maio de 2012
por Vanessa Barbara
Primeiro, a ABC exibiu nove míseros episódios de “Pushing Daisies”. A série cômica de fantasia estreou em outubro de 2007 e durou até dezembro, mas a greve dos roteiristas forçou uma pausa, justamente quando se consolidava a audiência.
Ao término da paralisação, os executivos decidiram dar a temporada por encerrada e retomar direto com a segunda.
Nesse meio tempo, as reprises emplacaram e o programa ganhou três Emmy, motivo que fez a ABC contratar mais treze episódios, em regime de desconfiança.
Mas a procrastinação afetou os índices de audiência da série, que, dizem, nunca teve condições de se estabelecer. No início da segunda temporada, a média de 9,5 milhões de espectadores caiu para 6 milhões.
Recomendaram que o criador Bryan Fuller preparasse um décimo terceiro capítulo capaz de “cobrir todas as possibilidades”, resolvendo alguns mistérios da temporada em caso de nova interrupção.
Logo após a filmagem, porém, eis que Fuller recebe a notícia de que haviam cancelado a série, sem chances de desenvolvê-la melhor ou planejar um bom episódio de encerramento.
Foi preciso improvisar na pós-produção, inserindo montagens e recapitulações pontuadas pelo narrador. O final ficou abrupto, corrido, com eventos “que não são e nunca devem ser considerados um final – porque o final, como sabemos, é exatamente onde começamos”.
A série se inicia com a morte da mocinha, ressuscitada por um fazedor de tortas que possui o dom de reviver os mortos com um toque. Mas só por um minuto: depois disso, Ned deve tocá-los (e matá-los) de novo, do contrário outra vida será tomada em seu lugar. A partir dessa premissa inventiva, ele desvenda crimes, interrogando diretamente o cadáver.
É uma atração na qual o par romântico não pode se encostar em nenhuma hipótese – pois um segundo toque mataria a garota. É por isso que eles só se beijam através de plástico, se abraçam com roupas de apicultor e o melhor amigo do protagonista se cansa de “dar a mão por delegação”.
E é por isso que a mocinha pergunta: “Você acha que morrer me deixou mais mórbida?”.
Pois esse conto de fadas de humor negro e detetivesco é um dos casos mais conhecidos (e injustos) de séries subitamente descontinuadas pelas emissoras – a despeito de ser doce e criativa, com visuais à la Tim Burton e diálogos inteligentes.