Folha de S.Paulo – Esportes
Especial Olimpíada
25 de julho de 2012
por Vanessa Barbara
No último sábado, acompanhei a passagem da tocha em Hackney, um bairro pobre da Zona Leste de Londres, onde vivem nigerianos, turcos, indianos, míopes, asmáticos e gente que não lava o umbigo. É onde estou orgulhosamente hospedada – originária do Mandaqui, na Zona Norte de São Paulo, senti-me em casa desde o primeiro dia.
Era cedo quando os populares começaram a ocupar as calçadas à espera da tocha, na esquina da Rectory com a Armhurst Road. Alguns abriram as janelas do quarto e ficaram pescoçando. Outros desceram com cadeiras e garrafas de cerveja, junto com os vizinhos e as crianças dos vizinhos.
Nervoso, um menino de dez anos mastigava compulsivamente balas de goma no formato de ovos fritos, enquanto seu irmão mais novo consultava o relógio de cinco em cinco minutos. “Já era pra ter passado”, informou uma senhora com poucos dentes. “Vai ver que roubaram a tocha”, disse o menino, completando: “Seria bem legal”.
Entediado, um policial brincava de levantamento de peso, erguendo duas crianças pelos braços, e um garoto de uns 13 anos passava de lá pra cá num meio de transporte notável – era um praticante de hóquei em monociclo, modalidade popular em Hackney.
Alguém, ao longe, anunciou a chegada de um carro de polícia, provavelmente o batedor da tocha. “É só um carro de sorvete”, informou um dos garotos, sempre na vanguarda da visualização da esquina.
Conforme o atraso se adensava, ele perdeu a paciência: “Onde está essa tocha estúpida?”.
Em questão de instantes, três ônibus de patrocinadores rasgaram o cruzamento, distribuindo frisbees e bandeirolas com a Union Flag. Malandros, policiais de moto passaram cumprimentando a multidão com um “toca aqui”. No fim de tudo, veio o portador da tocha, um rapaz negro que arrancou reações extasiadas do popular sentado (que se levantou), da senhora sem dentes, do garoto das jujubas, de seu irmão mais novo e de uma menina cega, que por pouco não passou a enxergar.
Num arroubo de patriotismo, o rapaz brandiu o símbolo olímpico enquanto praticava um tipo pimpão de “silly running”, modalidade inspirada no grupo cômico Monty Python, que consiste em correr de forma tola e esquisita. A multidão de Hackney correu atrás – nós, os participantes mancos, míopes e asmáticos desta Olimpíada que está só começando.
P.S.: Não fomos muito longe.
Muito legal! Assim temos uma ideia do que foi a passagem da tocha olímpica, mesmo tão longe de Londres.
Levemente hilário, gostosamente bem escrito. Me conta teu segredo, gata.