A antologia de novos autores brasileiros da “Granta” evitou os clichês das décadas anteriores
Folha de S.Paulo – Ilustrada
25 de julho de 2012
por Marcelo Coelho
Saem de cena os motoqueiros atropelados, o pequeno traficante morto pela PM, o barraco, o boné e o “busão”. Também desaparecem as estratégias do choque, do surrealismo e do grotesco. Nada de anões búlgaros decapitados na fila do INSS, de contorcionistas lésbicas entaladas no vaso sanitário, de papagaios cocainômanos atuando em filmes pornô de baixo orçamento.
Outro sumiço: o das noites de muito sexo e maconha ao som de Chet Baker, das discussões godardianas no Baixo Augusta, das roupas pretas e dos tênis de cano alto.
Quanto ao antigo padrão da prosa regionalista, seus coronéis e jerimuns, nem pensar – por mais que ainda pululem, nos concursos de contos, as imitações de Guimarães Rosa.
A antologia de novos autores brasileiros da revista “Granta” evitou, o que já não era sem tempo, os clichês das décadas anteriores. Praticamente não há traços da violência urbana nos textos destes escritores, nascidos depois de 1972.
O que mais aparece nos escritores da revista “Granta” é uma vida feito de cursos em Amsterdã, trabalhos para galerias de arte na Califórnia ou viagens à Rússia. É até possível matar saudades do Brasil por uns tempos, ocupando de novo o apartamento que ficou vago durante sete anos na orla carioca.
Alguns dos escolhidos trabalham como editores na Companhia das Letras ou na Cosac; outros colaboram naFolha; vários foram traduzidos para o inglês, o espanhol, o italiano e o alemão.
Natural que, com uma antologia dessas, cresça o coro dos excluídos. Se um simples convite para a Flip pode provocar sérios ataques de inveja nos meios literários, ouvem-se de longe as manifestações de agonia e desdém das dezenas ou centenas de “off-Granta”, ecoando nas páginas do Facebook.
Tinha, e tenho ainda, minhas prevenções contra essa antologia. Deixo-as para o fim.
É que, logo no começo, aparece um excelente conto de Michel Laub -sem firulas, sem frivolidades, sem “flipices”. Ou seja, não se trata de alguém encantado com o fato de ser escritor, mas sim de quem tem algo forte para contar. E que, por isso mesmo, não precisa exagerar na brutalidade narrativa, ou resolver a ausência de narrativa com atos de violência no desfecho.
Também me impressionou a contenção de Daniel Galera ao tratar, com mais ameaça do que concretização, do mesmo tema -morte e violência na família. Vanessa Barbara, uma das poucas vozes com sotaque zona norte na antologia, parece adquirir um tom mais maduro -sem tanta apelação humorística- em “Noites de Alface”.
Não é conto, mas fragmento de romance. Mesmo assim, a vida de Ada e Otto, em sua casa amarela lá pelos lados do Mandaqui, é retratada com um senso de acabamento, de desfecho, que falta a muitas páginas da antologia. Emilio Fraia, num conto estranho, e Antonio Prata, numa delicadíssima lembrança de infância, também têm esse domínio da forma curta.
Vejo que gostei mais dos autores em que o “sentimento nacional” está mais presente do que o “sentimento de globalização”, predominante na antologia. Mas, afinal, é uma seleção da “Granta”… feita, sem dúvida, já com olhos para o consumo externo.
Daí uma das minhas prevenções. O “franchising”, que antes funcionava para lanchonetes e lojas de roupa, já entrou para o mundo das galerias e museus (há Guggenheims pelos quatro cantos do mundo) e entra firme no sistema editorial.
Exemplo disso é a associação entre a Penguin e a Companhia das Letras, que chega a ter títulos quase em inglês, como “Essencial Joaquim Nabuco” (em vez de algo como “Joaquim Nabuco – Textos Essenciais”).
Com exceção de um crítico convidado, são brasileiros os responsáveis pela seleção da “Granta” em português. O que há da “Granta” inglesa nisso, exceto a marca?
Outra coisa. Naturalmente quem escolheu achou que os escolhidos foram os melhores. Mas sou dos que implicaram com o uso do termo “Melhores” na capa da edição. É fazer da capa de um livro a sua própria propaganda. Para não falar da moda, especialmente irritante, de indicar algumas edições como “o Drummond definitivo”, “o Proust definitivo”. Logo estarão dizendo “o definitivo Drummond”.
Aí, os jovens escritores brasileiros poderão passar a fazer seus contos diretamente em inglês, e não se fala mais nisso.