Folha de S.Paulo – Ilustrada
30 de outubro de 2012
por Vanessa Barbara
No debate após a sessão de “A Cara que Mereces” (Portugal, 2004), perguntaram ao diretor Miguel Gomes qual o significado de uma maçã que aparece no início e no fim do filme. Diligentemente, ele discorreu sobre os personagens, fez considerações de cunho estrutural e, por fim, confessou: “Ah, sim, a maçã. Não sei por que eu fiz isso”.
Em outro momento da conversa, sobre o protagonista começar o filme metido numa fantasia de caubói, ele observou: “Eu gosto de caubóis”.
A sinceridade dos diretores sempre me deixa feliz, em contraste com certas perguntas da plateia feitas por gente que deseja aparentar erudição. Muitos falam de “transcendência” e “plasticidade”, dissertando em círculos – são desses genuínos loucos de palestra. “Minha pergunta é sobre…”, dizem, e a tal pergunta nunca vem.
No filme de Gomes, uma moça questionou asperamente a ausência de personagens femininas na trama. Sábio, o diretor desconversou.
Já na exibição de “Felicidade… Terra Prometida” (2011, França), uma mulher levou quase um minuto para tecer uma pergunta incompreensível sobre depoimentos positivos e negativos, que o diretor Laurent Hasse conseguiu driblar com elegância.
A curiosidade genuína gerou respostas interessantes. Hasse revelou que 80 pessoas foram ouvidas no documentário, sendo que só 15 entraram na edição final. “Minha primeira versão do filme tinha cinco horas. Estava perfeita”, afirmou, rindo. O filme acabou com 94 minutos.
Outro bom exemplo de louco de Mostra, além do perguntador exibido, é um anônimo senhor que se senta sempre na primeira fileira e reage de forma peculiar às cenas, sejam engraçadas ou não. Dizem que ele solta um “haaaa” único e bem longo, e quando é muito engraçado faz um “ha-ha-ha”.
Ainda não conheci o tal senhor, mas tem a minha total simpatia.
Conta-se também que, numa sessão de “A Colônia” (2001, Rússia), após meia hora de filme, um doido de cinema começou a berrar: “São seis e 36, seu mentiroso! Seis e 36!”, e empurrou o amigo. Seguiram-se safanões. Aos gritos de “seu puto!”, ambos saíram da sala, sem maiores explicações.
Dizem por aí que pode ter sido uma propaganda de “Perder a Razão” (Bélgica/Luxemburgo/França/Suíça, 2012).