Folha de S.Paulo – Ilustrada
1 de novembro de 2012
por Vanessa Barbara
O filme (que eu inventei) para humilhar todos os outros filmes da Mostra é uma coprodução Rússia/Irã/Armênia/Afeganistão/Alemanha de 194 minutos.
Baseada em uma história real, fala sobre um carpinteiro curdo de meia-idade que perde a mãe num brutal acidente de carro, no qual também perece o cachorro da família e uma coleção de selos que não terá maior importância na história.
A despeito de seus problemas urinários, Amanj decide sair numa viagem de moto pelo interior do Curdistão, onde entra em contato com os horrores da guerra e se afeiçoa ao pequeno Mako, um garoto de 11 anos com um lábio leporino que pouco a pouco lhe ensina as coisas simples da vida.
Lá pelo meio do filme, Amanj tem alucinações existenciais lindamente filmadas pelo diretor de fotografia, concunhado de Andrei Tarkovski. Febril, o carpinteiro vê imagens de cavalos, leite derramado, espelhos, gente flutuando e chuva dentro de casa.
Quando se recupera do surto, pode ou não estar sem os rins – isso nunca fica claro, nem para a roteirista do filme e nem para o pobre Amanj, que passa o resto do tempo tateando o chão em busca de suas lentes de contato.
“Rapsódia Curda”, de L. Barzani, seria premiado no Festival de Juarez e na Mostra Internacional de Cinema de Paris (Texas). Aplaudido de pé na cabine de imprensa, em São Paulo, teria todos os ingressos esgotados em suas exibições ao público, inclusive na de terça às 13h no Cinespaço Granja Vianna, com legendas em inglês e italiano.
Na saída, cinéfilos aproveitariam para fazer uma apreciação crítica dos filmes anteriores do diretor, “Elegia de Outono: A Sombra” e o polêmico “Uma Alface Para o Tio do Meu Carteiro”, em que o cineasta revisita sua dura infância nas estepes.
“Gostei de ‘Rapsódia’, mas é um Barzani menor”, afirmaria um entendido. “Não tem a plasticidade de um ‘Elegia’ e nem a transcendência do ‘Alface’, mas é natural se formos pensar na trajetória do diretor, que recentemente teve problemas com a questão da nacionalidade.”
Mastigando balas de goma cítricas em forma de minhoca, Barzani responderia a todos os questionamentos do público com a mesma frase: “Eu gosto de cavalos”.