Folha de S.Paulo – Ilustrada
12 de novembro de 2012
por Vanessa Barbara
Num ensaio intitulado “Encontre-me em St. Louis”, o escritor Jonathan Franzen conta sua experiência com a gravação de cenas para o programa de Oprah Winfrey.
Em 2001, seu romance “As Correções” foi escolhido para o clube de leitura mantido pela apresentadora mais popular dos EUA. (Em geral, as obras indicadas tinham um acréscimo de vendas de 500 mil exemplares.)
Em meio ao tour de lançamento do livro, Franzen gravou imagens para ilustrar a entrevista que daria pouco depois.
Embora o autor tivesse deixado St. Louis há 24 anos e se tornado um nova-iorquino convicto, os responsáveis pelo programa pediram que as gravações fossem lá.
“Compreendia que em televisão o fundamental eram as imagens, quanto mais simples e vívidas, melhor. Se os produtores queriam que eu fosse um cara do Meio-Oeste, então iria tentar ser um cara do Meio-Oeste.”
Assim, sob a orientação de uma equipe de TV, fingiu chegar à cidade e reexaminar suas raízes. Da janela do carro, repetiu uma série de tomadas em que aparentava curiosidade ou nostalgia, olhando em volta com falsa expectativa.
Insistiram que Franzen filmasse no interior da casa onde cresceu, mas ele se recusou: “Desculpe, mas eu realmente não quero”.
Ainda assim, para rebuliço geral, mostrou a árvore onde as cinzas de seus pais foram depositadas. “Por mais de meia hora a árvore e eu fomos filmados de vários ângulos. Eu caminho lentamente em direção à árvore, fico de pé contemplativamente ao lado dela”, conta. Mas Franzen não estava “conseguindo dramaticidade”.
Um dos produtores lhe deu as indicações: “Você está elevando o olhar em direção à árvore. Você está pensando em seu pai”.
Toda essa encenação recheada de sentimentalismo o deixou incomodado. Ele externou essas sensações, Oprah retirou o convite para o clube do livro e o país inteiro o chamou de esnobe.
Como convém na televisão, a história acabou bem: no final de 2010, o novo romance de Franzen (“Liberdade”) foi escolhido para o clube do livro da apresentadora e eles fizeram as pazes, numa entrevista repleta de platitudes.
Fingir que se está lendo, conversando ou contemplando uma árvore é a regra da televisão para captar imagens falsamente profundas.
Se os produtores lessem o ensaio de Franzen (publicado em “Como ficar sozinho”, da Companhia das Letras), saberiam que, no caso, bastava filmar um prato de ervilhas e tudo seria dito.