Folha de S.Paulo – Ilustrada
7 de janeiro de 2013
por Vanessa Barbara
Poucos sabem, mas o Corinthians foi campeão mundial graças ao meu pai. É que, no meio do jogo, ele viu que estava com a bermuda do avesso. Levantou-se do sofá para tomar providências, mas naquele momento o time alvinegro se lançou ao ataque, o que foi claramente um sinal.
Com o sangue-frio de quem cumpre um dever, meu pai não só manteve o lado errado da bermuda como se sentou no chão, num canto da sala conhecido como “o lugarzinho da sorte”.
Ele profetizou: “O Corinthians vai marcar daqui a cinco minutos. Emerson, no contra-ataque”. Passados 24 minutos, Paolo Guerrero abriu o placar com um gol de cabeça. “Não falei?”
Em outra ocasião, a Seleção brasileira venceu uma partida só porque, após o primeiro tento, meu pai passou 42 minutos de pé, com um dos chinelos calçado e o outro largado no meio da sala, no local exato em que estava quando se deu o lance.
Quando o adversário ataca, não há quem deixe de fazer uma mandinga na frente da tevê, gritando “xô!” três vezes e berrando ordens para o zagueiro. Se a pressão continua, é hora de mudar de canal. Alguns falam diretamente ao juiz ou gritam com o técnico, cientes de sua influência numa partida que está ocorrendo a 18 mil quilômetros de distância.
Há quem vista a mesma roupa durante todo o campeonato e só aceite assistir ao jogo numa determinada emissora, com a televisão no “mudo”. A rotina doméstica tem de ser a mesma das vitórias anteriores. Em certas ocasiões, é preciso manter os dedos cruzados por trás das costas durante toda a duração da peleja, por mais que se tenha cãibra quando o jogo vai para a prorrogação.
Ninguém pode passar na frente do aparelho durante uma cobrança de falta. Tapar os olhos nos piores momentos costuma ser uma uruca eficaz para minar a autoconfiança dos rivais. Sem dúvida, há fluidos supersticiosos que emanam do espectador dedicado, adentram a tevê por mística osmose e influem no andamento da partida, por mecanismos que todo barbeiro compreende.
Na decisão por pênaltis da Copa de 1994, o Brasil ganhou porque meu pai estava escondido na lavanderia, ouvidos tampados. Muita gente se recusa terminantemente a assistir cobranças de pênaltis, por razões nervosas e por medo de influenciar o momento crucial com algum pensamento indevido.
Tudo isso apesar do ditado: “Se macumba desse certo, o campeonato baiano terminava sempre empatado”.
Feliz ano novo, Vanessa! É sempre ótimo ler tuas crônicas, abraços.