Folha de S.Paulo – Turismo
24 de janeiro de 2013

por Vanessa Barbara

Exaustivamente divulgada em albergues da juventude de toda a Europa, a Sandeman’s New Europe promove tours diários de três horas de duração, em inglês ou em espanhol, sem necessidade de reserva.

Reúne grupos de mochileiros com os mais diferentes tons de cabelo e formatos de piercing, viajantes solitários em busca de novas amizades e grande quantidade de turistas americanos.

Mas seu esquema é diferente de outros city tours. Os guias trabalham mediante gorjetas -ao fim da excursão, se o turista não gostou da experiência, não precisa pagar nada. Se gostou, oferece o valor que considerar justo.

“Segundo pesquisas, muitos turistas não gostam de tomar parte em excursões guiadas por medo de se decepcionar com a qualidade do passeio”, afirmou o empresário britânico Cristopher G. Sandeman no fórum on-line Hostel Management. A solução é pagar só o que parecer justo.

O esquema de city tours gratuitos a pé surgiu em Berlim, em 2004, com a criação da Sandeman’s New Europe.

Filho dos proprietários de uma fábrica centenária de xerez e vinho do Porto, Sandeman cresceu nos EUA e graduou-se em psicologia pela Universidade de Yale.Após uma temporada na Alemanha, aos 26 anos, decidiu abrir uma empresa que oferecesse city tours gratuitos em inglês.

O modelo deu tão certo que, em 2006, espalhou-se para Londres e Amsterdã, com excursões também em espanhol. No ano seguinte, outras capitais entraram para a lista, que hoje cobre 14 cidades da Europa.

 

Finbarr O’Reilly/Reuters
A guia Jean Hayne, da empresa London Walks, comanda tour inspirado no escritor Charles Dickens, em Londres
A guia Jean Hayne, da empresa London Walks, comanda tour inspirado no escritor Charles Dickens, em Londres

 

Gritos e sotaques

Os guias são, em geral, jovens estrangeiros que vivem na cidade há pouco tempo. Treinados pelos próprios pares, trabalham com roteiros mais ou menos definidos, recheados de histórias dramáticas e anedotas locais.

Como o pagamento está diretamente ligado à performance individual, muitos utilizam técnicas de atuação para prender a audiência. Gritam, ajoelham-se, imitam sotaques.

Em Munique, um dos guias carregava uma espécie de aparelho de som que servia como claque ambulante, conferindo aplausos e risadas quando necessário.

Outro conclamava a participação popular, elegendo um turista para parecer curioso (“Mas por quê?”), outro para soar empolgado (“Uau!”) e ainda um terceiro para entoar: “Vamos em frente!”, incentivando o grupo.

A preços que variam de € 10 a € 30 (R$ 26 a R$ 80), a Sandeman’s também oferece tours mais específicos, como o de Montmartre (Paris), o do Castelo (Praga), o do Distrito da Luz Vermelha (Amsterdã) e o de Dachau (Munique). Em todas as cidades, há uma ronda guiada aos pubs locais.

Tour não, seminário

Na outra ponta, companhias como a Context Travel cobram no mínimo US$ 65 (R$ 132) para um passeio de três horas com um especialista na área.

Os passeios são chamados de seminários e não tours, os grupos possuem no máximo seis pessoas, e os guias são professores com mestrado ou doutorado em arqueologia, história da arte, culinária, arquitetura, história. A empresa atua em 21 cidades.

Urban Adventures também pertence à categoria de elite, com tours ao preço de US$ 30 (R$ 60), realizados por guias nativos em mais de cem cidades pelo mundo. É essa empresa que oferece o “Favela Tour” no Rio de Janeiro, um passeio de quatro horas ao custo de US$ 95 pela favela de Santa Marta.Entre as mais populares, é desconcertante a quantidade de empresas com “Original” ou “Walks” no nome.

Uma das melhores e mais antigas é a London Walks, que distribui excêntricas e confusas brochuras de 15 páginas com o calendário de excursões da quinzena.

No cardápio, caminhadas sobre a era vitoriana, o bairro literário de Bloomsbury e os subterrâneos do Tâmisa, que saem a £ 9 (R$ 29) cada.

 

Creative Commons
Turistas participam de seminário na basílica de Santa Sofia, em Istambul, organizado pela Context Travel
Turistas participam de seminário na basílica de Santa Sofia, em Istambul, organizado pela Context Travel


De Praga a Cracóvia

Foi nesse cenário que surgiram as excursões guiadas sem custo. Após a Sandeman’s, hoje já existem 80 opções de tours gratuitos, segundo lista publicada pelo Price of Travel (priceoftravel.com). Há três em Praga, Roma e Berlim, duas em Budapeste e Cracóvia, uma em Liubliana.

Os grupos são maiores (20 ou 30 integrantes), e a maioria paga alguma coisa ao término da excursão. O preço médio das gorjetas fica em torno de € 10 (R$ 26).

A qualidade varia de forma drástica de acordo com o grupo e principalmente o guia -os tours de Paris, por exemplo, são liderados por jovens americanos com poucos meses na cidade, que muitas vezes mal falam francês.

Entre os espectadores, hordas de americanos interessados em Dan Brown. Por outro lado, há guias extremamente competentes em Berlim e uns cansados demais em Londres, que repetem os textos com notável pouco caso.

Esses guias não têm nenhum vínculo trabalhista com a companhia, ou seja, nada de seguro-saúde, férias remuneradas e salário fixo.

Apesar disso, são obrigados a pagar um valor de aproximadamente € 3 por turista, referente a taxas de marketing e administração da empresa, ou seja, eles têm chance de perder dinheiro se o grupo for pequeno ou avarento, ou se largarem o tour pela metade: a contagem é feita no início da excursão, muitas vezes por meio de uma animada foto grupal.

Escravos?

Na Alemanha, Christopher Sandeman tem sido alvo de acusações por práticas abusivas de trabalho e exploração de expatriados americanos, britânicos e australianos.

Há dois anos, o programa de TV “Frontal21” denunciou as condições trabalhistas, consideradas ilegais por especialistas na área, e provocou uma discussão que se estende até hoje.

Nos últimos meses, a polêmica se multiplicou em fóruns da internet, em que se relatam supostas buscas da polícia pelos escritórios da empresa e uma investigação do governo alemão.

Em Paris, em 2009, a Federação Nacional dos Guias-Intérpretes protestou contra a concorrência desleal e afirmou se tratar de escravismo moderno.

No mesmo ano, a filial espanhola foi processada pelo Departamento Geral de Turismo da Comunidade de Madri e multada em € 6.000 (R$ 16.300) por empregar guias não licenciados -hoje o setor foi liberado e não é preciso ter licença.

Inúmeras imprecisões históricas foram apontadas nos tours feitos pela companhia.

Em defesa da Sandeman’s, a Associação Europeia de Operadores de Turismo alega que a maioria dos guias de turismo trabalha em regime autônomo e que o modelo de trabalho é definido em um acordo realizado entre o guia e a operadora.

Na Sandeman’s, os profissionais têm a opção de promover três excursões em caráter de teste, sem pagar taxas à empresa, antes de assinarem um contrato.

Procurada pela reportagem da Folha, a empresa não quis se pronunciar.

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Em Praga (República Tcheca), city tour da Sandeman’s New Europe