Folha de S.Paulo – Ilustrada
11 de março de 2013
por Vanessa Barbara
Por doze anos, David Simon trabalhou como repórter policial para o jornal “Baltimore Sun”. Escreveu um livro-reportagem sobre homicídios e outro sobre o tráfico de drogas na cidade, este em parceria com o ex-policial Ed Burns.
Tais experiências formam a base da série “The Wire” (“A Escuta”), exibida de 2002 a 2008 pela HBO e considerada por muitos críticos a melhor série dramática da televisão. (“Família Soprano” e “Breaking Bad” viriam logo em seguida.)
Na atração, um destacamento policial investiga o tráfico de drogas em Baltimore, por meio de escutas telefônicas e vigilância intensiva.
Formado por agentes da área de narcóticos (Kima Greggs), homicídios (Jimmy McNulty) e almoxarifado (Lester Freamon), o obstinado grupo tem de enfrentar entraves burocráticos, jurídicos e políticos na perseguição de seus alvos.
A série não se limita a isso: desde o início, retrata detalhadamente os personagens das ruas, de chefões como Avon Barksdale e Stringer Bell a pequenos traficantes como Dee Barksdale, Bodie Broadus e o viciado Bubbs. Com destaque para o matador homossexual Omar Little.
A partir da segunda temporada, outras variáveis surgem e são desenvolvidas em paralelo: a corrupção do sindicato e o contrabando no porto (ano dois), o jogo de influências na política (ano três), a educação (quatro) e, por fim, a imprensa (cinco). Nenhuma instituição sai incólume.
Na visão amarga de Simon, os indivíduos são encurralados pelos organismos sociais de que fazem parte, sejam eles escolas ou gangues.
“The Wire” tem roteiros excepcionais. Realistas, pesados e cínicos, incluem diálogos memoráveis, como no episódio em que Dee ensina os amigos a jogar xadrez usando metáforas do tráfico. Ou quando Stringer começa a estudar macroeconomia para impulsionar os negócios.
Simon e Burns contaram com a colaboração de três pesos-pesados da literatura policial contemporânea: os escritores George Pelecanos, Richard Price e Dennis Lehane, que assinam vários episódios.
A trilha sonora também é invejável (Tom Waits, The Pogues e Johnny Cash).
Não há recapitulação das cenas anteriores, nenhuma condescendência nas explicações e é comum confundir-se com os personagens até a série engatar, o que costuma ocorrer lá pelo quinto episódio.
A trama é violenta, complexa e pessimista. Não teve boa audiência nos EUA e não chegou a ser lançada em DVD no Brasil.
Até ver The Wire, minha favorita era Os Sopranos, que eu considerava inigualável. The Wire é melhor – entre outras razões, porque não tem um personagem central, uma proeza notável. É absolutamente brilhante e não trata o espectador como idiota, algo que os filmes americanos dos últimos tempos parecem ter se especializado em fazer (com razão, constato com tristeza).