Folha de S.Paulo – Ilustrada
25 de março de 2013
por Vanessa Barbara
Às vezes, ao ligar a televisão, me dá vontade de ceder a um gratuito, incongruente e revoltado “Harlem Shake”.
Explico: no mais recente meme da internet, um grupo de pessoas se reúne diante das câmeras. A primeira cena mostra um sujeito absolutamente sozinho, com um capacete ou uma cabeça de cavalo, dançando loucamente ao som da música eletrônica “Harlem Shake”, do DJ americano Baauer.
Ao redor, pessoas executam suas tarefas cotidianas sem fazer caso, como se nada estivesse acontecendo: trabalham no computador, jogam videogame, conversam ou leem. O homem dança sozinho durante uns 15 segundos. A cena é surreal, porém não mais bizarra do que o que vem a seguir: corte rápido.
Na tomada seguinte, o lugar é o mesmo, mas desta vez todos entraram no surto de loucura convulsiva – há sempre alguém dançando de ponta-cabeça, outro sem as calças, alguém rastejando, virado para a parede ou metido em fantasias bizarras.
O meme teve início em 2 de fevereiro, quando um grupo de jovens australianos postou o vídeo no YouTube, gerando imitações imediatas por todo o mundo. Em duas das melhores, um sujeito com cabeça de urso lidera o Harlem Shake numa reunião da empresa e uma divisão do exército norueguês perde a razão ao som da música.
Neste último, há um soldado dançando com esquis nos pés, outro rastejando dentro de um saco de dormir, um completamente pintado de azul, outro de cuecas.
Há sempre ligação com um ambiente sisudo e entediante que, no fim, é completamente subvertido pelos participantes.
Muita gente afirma que a internet virou um repositório de tolices sem propósito, engajamento ou utilidade. Pessoas se reúnem para reproduzir um vídeo irrelevante, gastam tempo e energia para se dedicar a bobagens. É verdade. Mas não me parece um problema.
É que a vida em si lembra o “Harlem Shake”: há sempre alguém que entendeu tudo e está dançando sozinho, sem se importar.
E vou além. No fundo, o homem com cabeça de cavalo não entendeu nada, e é isso o que nos diz a segunda parte do “Harlem Shake”: a vida provavelmente não faz sentido. Você dança mal e não sabe por que vestiu uma fantasia aleatória de borracha cinza. Sua coreografia particular não está nem sequer dentro do ritmo.
Mas você continua sacolejando porque é divertido e porque não tem nada melhor do que isso passando na tevê.
Fantástico.
Pensei num Granta Harlem Shake – Os melhores jovens escritores brasileiros e, bah, que agora fico imaginando os escritores selecionados chacoalhando o esqueleto convulsiva e anacronicamente. A questão é: quem começava a dançar os primeiros quinze segundos? Tu? Taí, tu. E seu O verão do Chibo está me deixando apaixonado pelos moleques. Um grande abraço, guria.