Folha de S.Paulo – revista sãopaulo
28 de abril de 2013
por Vanessa Barbara
Não há nada mais paulistano do que um ônibus lotado. Um coletivo realmente entupido, com gente prensada contra a porta e um sujeito de cócoras em cima do motor, quase no colo do motorista, tentando se comunicar com uma senhora no banco preferencial, escondida atrás de uma pilha de mochilas, sacolas e um frondoso bonsai.
Nessa conjuntura clássica do transporte local, tem sempre alguém que se oferece para segurar as bolsas. Há um garoto que acabou de comprar esfirras e parece constrangido com o embrulho no colo, torturando olfativamente seus companheiros de ônibus. Há gente que dorme de pé e cai pra frente nas curvas.
Há também um senhor afortunado que conseguiu espremer-se no espaço vago entre um balaústre e a cadeirinha do cobrador, espécie de vácuo VIP do coletivo lotado –mas que, se fosse um pouco mais para a esquerda, permitiria a alocação de duas crianças e um cabo de vassoura. Pairam sobre ele, portanto, olhares de reprovação quanto à ineficácia no aproveitamento do espaço.
É ele o responsável por validar o Bilhete Único da turma que não vai conseguir passar a catraca a tempo, alertando o condutor com um sonoro: “Próximo desce!”. Forma-se uma corrente popular para passar o bilhete de mão em mão até chegar à máquina, onde é debitado em polpudos R$ 3. “Vai descer, motô!”, repetem, em coro.
Há sempre uma jovem prensada na roleta que deve girá-la sem passar pro outro lado, o que invariavelmente faz, orgulhosa, num contorcionismo aperfeiçoado em anos. Bebês, travesseiros e sacolas de compras se espremem entre os circunstantes. Conta-se de um anônimo que já transportou, num ônibus relativamente cheio, um beliche desmontado. Começa a chover e alguém fecha as janelas.
Há gente que precisa descer sem ter que descer, só para dar passagem aos que vêm atrás, e um sujeito que dá sinal na última hora e passa rasgando as bolsas dos concidadãos. Quando consegue escapar, saltando os degraus e ganhando a rua, por pouco não emite um “plop!”, feito uma aliviada rolha de vinho. Os restantes se reagrupam enquanto mais três pobres almas adentram pela frente.
Nessas situações, o cobrador é um estrategista, orientando passageiros a irem para o fundo do veículo a fim de liberar o corredor. É ele quem diz: “Um passinho para a frente, por gentileza”, diante de risos histéricos dos presentes. “Tem um espaço ali no canto. Vamos colaborar aí, pessoal”, ele pede, fingindo não ouvir os comentários sarcásticos de: “Senta no meu colo então” e “Debaixo da roda cabem dois”.
Certa vez tomei um ônibus tão cheio, mas tão cheio, que fui prender o cabelo e acabei amarrando junto o de quem estava atrás.
Exatamente o que eu procurava. Precisava de um texto atual o qual pudesse ser lido juntamente com uma crônica escrita, em 1883, por Machado de Assis.