Memórias de uma jornalista tímida – Entrevista

Postado em: 28th maio 2013 por Vanessa Barbara em Clipping

Revista Labirinto
Maio de 2013

por Iana Chan

ebony

Vanessa Barbara conta em entrevista como nossos pontos fracos podem ser também nossas forças

 

São Paulo. Segundo colegial. Quadra de vôlei. A coordenadora educacional tira uma menina da partida para uma conversa séria. Ela levará uma advertência para casa hoje. Quem pensou em briga, bagunça ou excesso de conversa errou. O motivo da reclamação é outro: ser antissocial. A coordenadora diz que a menina não deveria ficar quieta o tempo todo e termina avisando “você não será nada na vida se não olhar nos olhos dos outros”.

Essa lembrança marcou Vanessa Barbara, que, contrariando a profecia da coordenadora, é, sim, algo. Vários “algos”, aliás: jornalista, escritora, preparadora de textos, tradutora e, claro, tímida. Com O Livro Amarelo do Terminal (CosacNaify), escrito para o trabalho de conclusão do curso de jornalismo, ganhou o Jabuti. O prêmio, diga-se. Embora hoje outras 3 tartarugas (ninjas)  lhe façam companhia (Napoleão, Jacinto e Moisés). E ela “chegou lá” não apesar da sua introversão, mas por causa dela. “Sou a pior repórter do mundo, mas compenso essa falta com um senso agudo de observação e uma sensibilidade ausente nos repórteres mais calejados”, disse em entrevista ao Labirinto.

Sua graphic novel Máquina de Goldberg relata as férias de Getúlio, um rechonchudo adolescente maltratado por ser antissocial e que encontrará sua vingança nas engenhocas que dão título à história. “Eu sou o gordinho da graphic novel”, admite Vanessa.

Talvez a adolescência dela pudesse ter sido menos sofrida se o livro O Poder dos Quietos, da norte-americana Susan Cain, já tivesse sido publicado. É quase um manifesto de libertação dos introvertidos, que mostra como a sociedade ocidental valoriza a extroversão e diminui as pessoas que não gostam de ser o centro das atenções, a despeito de seus talentos. (para saber mais sobre o livro leia a matéria O Poder dos Quietos)

A introversão é uma característica da personalidade de alguém que prefere “ficar na sua”, diferente da timidez, que é o temor da rejeição alheia. Vanessa se considera os dois: “tímida porque muitas vezes tenho medo do julgamento dos outros, afinal, teoricamente sou jornalista e deveria interagir naturalmente com as pessoas. Introvertida porque sou mesmo”, diz.

A paulistana já publicou reportagens, crônicas, romances, história em quadrinhos e até livros infantis. Seus textos são cuidadosamente temperados com detalhes que tornam a leitura deliciosa. Na coluna mensal que escreve para a editora Companhia das Letras, contou que sua relação com os livros começou ainda criança, por incentivo da sua mãe. Aos 10 anos, burlou a censura da biblioteca e leu cada um dos 80 livros de Agatha Christie e, na adolescência, os livros passaram a ser refúgio. “Me identificava com os personagens, era um alívio”, lembra.

*

Sem mais delongas, vamos ao que interessa: a entrevista completa! Bom apetite!

1. Quando você se deu conta de que era tímida?
Não sei se a gente se dá conta disso, não sei se há um momento em que percebemos que somos tímidos – a não ser quando os outros dizem isso como forma de reprovação e você acaba concordando. Sempre tive a personalidade mais introvertida e sei que, por mais que goste de sair e ver os amigos, preciso recarregar as energias ficando sozinha.

2. Na sua entrevista à revista Época SP, você pareceu não ver problema algum em admitir sua timidez. Como você lida com ela? Quer dizer, você faz parte de qual time: o do “é preciso superá-la” ou do “é preciso aceitá-la”?
No livro O Poder dos Quietos, a escritora Susan Cain faz uma distinção entre timidez e introversão. Segundo ela, timidez implica ter medo do julgamento alheio, é uma condição da qual desejamos nos livrar (ou superar), enquanto introversão é uma característica de personalidade que tem suas vantagens e desvantagens. Ela reconhece a tendência da nossa sociedade para idealizar a extroversão e ver a introversão como patologia, então acho que, nos dias de hoje, é mais importante aceitá-la do que tentar ser algo que não se é.

Acho que em alguns casos vemos que é necessário passar por cima da timidez, mas nunca se deve fazer isso em prejuízo de si mesmo. Quando uma coisa é muito torturante, o melhor é ser legal consigo mesmo e não se exigir tanto. Introvertidos costumam ser muito duros consigo mesmos.

3. Os tímidos geralmente sofrem mais na adolescência, quando sentem-se mais vulneráveis ao outro. Como foi sua? Há alguma inspiração autobiográfica em A Máquina de Goldberg?

Muito, eu sou o gordinho da graphic novel. Minha pior fase foi no 2º ano do Ensino Médio, quando me colocaram numa classe menor só com os alunos “mais inteligentes” da escola e eu me senti bastante coibida. Me retraí e fui muito punida por isso – sou a única pessoa que conheço a tomar uma advertência por ser antissocial.

A coordenadora educacional me tirou de uma partida de vôlei (que, aliás, eu adorava jogar, contrariando um dos clichês sobre introvertidos odiarem esportes de equipe) e disse que eu levaria uma advertência por não interagir com meus colegas e ficar quieta o tempo todo. Ela realmente perguntou se eu usava drogas, se eu tinha namorado e falou que eu não seria nada na vida se não olhasse nos olhos dos outros. Foi uma época muito sofrida que só pude entender direito muito tempo depois.

4. A literatura teve algum aspecto importante nesta época?
Sempre. Eu me refugiava nos livros, me identificava com os personagens, era um alívio.

5. “O inferno são os outros”?
Sim, os outros que não aceitam as diferenças e querem que todos sejam iguais a eles, seguindo um modelo de extroversão e sociabilidade que se relaciona ao sucesso e à felicidade. Isso é uma bobagem. Lembro de um amigo que implicava comigo porque eu não dava beijo em ninguém e só cumprimentava os outros com um “oi” geral, e foi quando percebi que, se eu fosse uma tupi-guarani ou uma aborígene, ele não exigiria de mim esse padrão cultural. Então por que isso seria uma patologia? Ele dizia que era um problema de retraimento e me causaria dificuldades no futuro. O mundo precisa de umas lições de antropologia para entender os diferentes.

6. Qual é a sua estratégia para sobreviver à uma situação desconfortável que não pôde evitar?
Tento pensar que existe uma tartaruga em Gonfaron [com patrocínio labiríntico, poupe-se da googleada, caro leitor: Vila das tartarugas em Gonfaron, França] que não dá a mínima para a minha reunião de trabalho. “Há um bilhão de pessoas na China que não estão nem aí para o seu discurso”, menciona Susan Cain. Nem sempre funciona. Mas tem uma coisa: com o tempo, algumas coisas melhoram. Você vai se sentindo mais confiante e já não se vê mais tanto como alienígena, confessa seus pontos fracos mas sabe que eles são parte de suas forças também.

No livro Bem que eu queria ir, o escritor Allen Shawn fala de fobias e diz, de um personagem: “O paradoxo é que, sem suas fobias, ele não teria chegado aonde chegou. Podia muito bem ter chegado a outros lugares; que possivelmente poderiam lhe ser mais compensadores, mas não lá, onde se revelou tão competente.” Muitas vezes as suas forças são as suas fraquezas, e isso é tão interessante. Eu, por exemplo, sou a pior repórter do mundo, mas compenso essa falta com um senso agudo de observação e uma sensibilidade ausente nos repórteres mais calejados.

7. Que livro, filme ou série você recomenda para os tímidos?
O poder dos quietos, de Susan Cain, para ver que não se está sozinho no mundo
Bem que eu queria ir, do Allen Shawn, sobre fobias incapacitantes
O Estranho caso do cachorro morto, de Mark Haddon, um romance sobre um menino com síndrome de Asperger (um tipo brando de autismo)
O apanhador no campo de centeio, J. D. Salinger.

Séries: Monk, sobre um detetive brilhante que sofre de transtorno obsessivo-compulsivo e de várias fobias, inclusive social, e Columbo, que também é um detetive brilhante e usa em seu favor o fato de ninguém levá-lo a sério.

8. Pegando a onda d’O Poder dos Quietos, você acha que o mundo é hostil aos introvertidos? Isso, de alguma maneira, já a fez sentir-se injustiçada?
Muito (ver resposta 3). Fui bastante perseguida por me colocar à parte das pessoas, como se as estivesse agredindo com minhas atitudes contidas.

9. Você parece absolutamente confortável com seus afazeres atuais. Você faria coro à Susan Cain e diria que chegou “aí” não apesar da sua introversão, mas muito por causa dela?
Sim. Mas eu cursei jornalismo e passei muito tempo me torturando por não gostar de ser repórter. Caramba, eu ganhei um prêmio Jabuti de reportagem pelo Livro Amarelo do Terminal, e agora não queria mais ser jornalista? Só podia ter algo errado comigo. (Aliás, o ano que eu passei escrevendo o Amarelo foi um dos piores da minha vida, eu sofria muito.) Eu também tinha um emprego ótimo na revista piauí, mas achava horrível ter que fazer matérias tradicionais, ter de entrevistar as fontes, me intrometer na vida dos outros. Até que percebi que não gostava de trabalhar nisso, sofria demais e devia é fazer as coisas que me davam prazer – crônicas e traduções, por exemplo. E tenho me saído muito bem nisso.

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___Fio de Ariadne___
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__Grande parte das publicações de Vanessa Barbara estão reunidas no blog Hortaliça, mas o Labirinto recomenda fortemente um passeio pelo antigo Almanaque Hortaliça, uma colagem duvidosa e genial de trechos, ideias e referências.

__ “Posso não explicar?”
Pedimos que Vanessa Barbara escolhesse uma imagem para acompanhar essa matéria. É uma fotografia de 1947, de Wayne Miller, intitulada Girl Reading Ebony Magazine (Garota Lendo Revista Ebony). Para ver a foto maior, clique aqui.