Folha de S.Paulo – Folha Online
Festa Literária Internacional de Paraty – Flip 2013
6 de julho de 2013
por Vanessa Barbara
“A experiência brasileira nessas últimas três semanas representa um momento extraordinário na política mundial, marcada por crises de representatividade democrática”, afirmou o historiador britânico T. J. Clark nesta noite de sábado (6), na Flip.
Numa mesa marcada por ânimos marxistas, três pensadores de esquerda se reuniram para discutir as aspirações e características dos protestos que tomaram o Brasil nas últimas semanas: além de Clark, estavam presentes o filósofo e colunista da Folha Vladimir Safatle e o psicanalista Tales Ab’Saber. O debate, que teve mediação do jornalista Mario Sergio Conti, ex-diretor da revista Veja e apresentador do Roda Viva, começou com 25 minutos de atraso (o que estranhamente não gerou protestos) e foi marcado pela confluência de opiniões entre os participantes e a plateia.
Autor de Uma esquerda sem futuro (ed. 34), T. J. Clark começou citando o poeta caribenho Derek Walcott, que, no poema “A Sea Change”, fala sobre a inquietação política e a “raiva sombria e agregadora de um eleitorado ferido, cansado das imagens de outdoors”. Ele interpretou as manifestações no Brasil como um repúdio ao que chamou de “igrejas do futebol”, catedrais esportivas cada vez maiores e mais caras que o governo impõe ao povo. Ao longo da história, palácios, estátuas e pirâmides – e agora, estádios – foram utilizados para subjugar as massas.
“A força das imagens é uma decorrência da falta de força do povo nas outras esferas”, afirmou. “É possível resistir a essa colonização? Espero que sim. Acho que sim”, disse Clark, que, a certa altura, chegou a sugerir que os brasileiros fossem às ruas protestar contra a realização da Copa do Mundo.
O britânico ressaltou que, nos protestos atuais, existe uma tentativa de elevar os cartazes feitos à mão como legítimas imagens do povo, numa transferência simbólica de poder.
Ele encara o movimento como algo positivo, mas perigoso, na medida em que deu voz a fantasias antipartidárias.
IMAGEM ERÓTICA DO HOMEM LULA
Autor de A esquerda que não ousa dizer seu nome (Publifolha), Vladimir Safatle comemorou a volta da política às ruas. “Os últimos vinte anos foram um hiato na participação popular brasileira, período de exceção em que a política foi relegada aos bastidores. Mas a onda de protestos recolocou na pauta as demandas das ruas, abrindo novos eixos de conflito e embates democráticos”, afirmou. A insatisfação atual, para Safatle, decorre de uma crise de representação, do esgotamento das possibilidades da democracia parlamentar. “Queremos combater a desigualdade econômica por meio de serviços públicos de qualidade, e é importante colocar isto de forma séria”.
Safatle falou também da política de virtude baseada no bem comum, reivindicada por quem deseja que “o último mensaleiro petista seja enforcado nas tripas do último tucano corrupto”. (Nesse momento, foi crivado de aplausos.) Disse que a democracia é sempre um porvir e demanda um constante reordenamento do estado de direito, que não tem como responder por toda e qualquer nova demanda do povo.
Sob a perspectiva da psicanálise, Tales Ab’Saber falou da “imagem erótica do homem Lula” e se mostrou empolgado com o momento histórico. “Temos um movimento de movimentos, ou seja, um produtor de outros movimentos”, explicou ele, que é autor de um livro sobre o fenômeno do lulismo publicado pela editora Hedra.
Ab’Saber elogiou a visão política dos “meninos” do Movimento Passe Livre, que utilizaram um verdadeiro padrão de análise marxista ao diagnosticarem as falhas da máquina da nossa democracia, os pontos nevrálgicos que podiam ser trabalhados com vistas a agregar demandas e abalar o governo – no caso, a pauta escolhida foi a briga contra o aumento da tarifa e a discussão sobre transporte público. De quebra, o movimento abriu um debate sobre a militarização da polícia de São Paulo, oriunda da ditadura, uma força de exceção e ilegalidade que “precisa começar a agir dentro da lei”. Ele fez questão de dizer que grande parte da civilização se fundou a partir de conflitos e que este é um caminho legítimo.
Clark concordou com a análise política de Ab’Saber, mas discordou terminantemente de sua visão otimista das novas mídias. Animado, o psicanalista brasileiro afirmou que o celular e as redes sociais trouxeram uma gestão flexível da nova política, aumentando em muito a potencialidade da democracia direta. O historiador britânico rebateu dizendo que mídias sociais podem ser instrumentos poderosos –como o capitalismo–, mas se limitam ao virtual e isolam o indivíduo. Clark relaciona a estagnação política brasileira nos últimos vinte anos ao declínio da força dos sindicatos e pediu que as mídias sociais levassem o movimento às ruas.