Folha de S.Paulo – Poder
28/07/2013 – 14h15

VANESSA BARBARA
DE SÃO PAULO

Um dos aspectos mais marcantes dos protestos de rua no Brasil, desde o início, é a presença de muitos jovens com celulares e câmeras nas mãos, filmando a manifestação de todos os ângulos.

Se, por um lado, isso pode ser visto como um ponto fraco de uma geração que prefere postar a vida no Instagram antes mesmo de vivê-la, por outro pode ser facilmente interpretado como uma resposta à crise dos intermediários –tanto na política quanto na mídia–, uma tentativa de produzir contranarrativas e tomar para si a cobertura dos acontecimentos.

Quando os canais tradicionais não dão conta das novas demandas, surgem outros mediadores. Entre eles, a “Mídia Ninja” (sigla para “Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação”), coletivo que se dedica a filmar e transmitir os eventos usando a tecnologia 3G do celular.

Nos últimos dias, esse embate ficou evidente. Para o jornal britânico “The Guardian”, “com a TV Globo sob frequente ataque dos manifestantes, a Mídia Ninja se tornou uma fonte confiável de informação para muitos dos envolvidos”.

Durante passeata nas imediações do Palácio Guanabara, na segunda-feira (22), o estudante Bruno Ferreira Teles foi preso pela Polícia Militar, acusado de portar e arremessar um coquetel molotov contra a barreira policial.

A cena do confronto foi filmada e transmitida, via streaming, pela internet. Enquanto Bruno passava a madrugada na penitenciária, usuários das redes sociais compartilhavam vídeos que desmentiam as acusações: num deles, Bruno é visto na linha de frente, gritando palavras de ordem para os policiais, no momento em que o artefato incendiário é arremessado de trás.

Outra filmagem flagrou o anônimo que acendeu a bomba: de rosto coberto, ele veste uma camiseta de manga curta com estampa e calça jeans clara. É auxiliado por um rapaz com mochila nas costas. Já Bruno usa uma jaqueta, traz um óculos de proteção na testa e está sem mochila.

Ele foi solto pela manhã. Segundo o desembargador que analisou o caso, a prisão em flagrante não tinha fundamento concreto.

Ainda na noite de terça, o “Jornal Nacional” dedicou quase seis minutos aos protestos, incluindo a exibição de uma entrevista do rapaz à “Midia Ninja”. “Nas redes sociais, pessoas que acompanhavam a manifestação acusaram a PM de ter infiltrado policiais sem farda para provocar o tumulto”, informou o âncora.

Na edição de quarta (24), o “Jornal Nacional” teve acesso ao inquérito e revelou que, ao contrário do que tinha sido divulgado nas notas oficiais da polícia, Bruno não portava explosivos no momento da detenção. Também mostrou imagens em que ele é visto sem mochila. O governador e o secretário de Segurança do Rio se apressaram em declarar que as circunstâncias da prisão serão investigadas e haverá um pronunciamento na segunda-feira, dia 29.

“Vocês são do Mídia Ninja, né? Aquela que salvou o carinha lá?”, indagou um popular nas manifestações do final da semana, atribuindo a soltura de Bruno aos vídeos compartilhados pela internet e à cobertura dos ninjas.

O fato de haver muita gente filmando, além de ajudar a elucidar ocorrências, também é útil para inibir infrações de ambos os lados, como vandalismo e abuso de autoridade.

Na quinta-feira, houve uma mudança drástica na abordagem dos policiais, que apenas acompanharam a passeata – esmagadoramente pacífica. A certa altura, abriu-se até um canal de diálogo com a tropa de choque, que pediu para os manifestantes liberarem uma pista da avenida. Tendo ninjas como mediadores, a PM foi atendida.

NINJAS

O “Jornal Nacional” de terça (23) informou que, segundo a PM, sete pessoas foram detidas nas manifestações por “desacato, incitação à violência, formação de quadrilha, exposição ao perigo, resistência e dano qualificado”. Dessas, seis foram liberadas porque teriam praticado “crimes de menor potencial ofensivo”.

Mas quem seguiu ao vivo a cobertura da Mídia Ninja viu como foi arbitrária a prisão dos dois membros do grupo. O primeiro, Felipe Peçanha, foi abordado sem motivos, colocado num camburão e levado à delegacia, ainda que repetisse: “Mas por quê? Mas por quê?”.

O segundo caso foi ainda mais surreal: Filipe Gonçalves de Assis transmitia da porta da delegacia, onde questionava a prisão de seu colega quando um tenente o abordou.

“Existem indícios de que você está participando de uma incitação ao movimento”, disse, depois de receber ordens pelo celular. Nesse momento, foi levado para dentro da delegacia sob os olhos de 14 mil espectadores. Eles foram soltos horas depois.