Folha de S.Paulo – Revista sãopaulo
4 de agosto de 2013
por Vanessa Barbara
“Minha Londres das neblinas finas!”, exclamou Mário de Andrade num poema sobre a capital paulistana. “Faz frio, muito frio…/ […] Meu coração sente-se muito alegre!/ Este friozinho arrebitado/ dá uma vontade de sorrir!”
Na noite de 25 de julho, 30 pessoas pesadamente encapotadas se encontraram diante do Theatro Municipal para participar da 400ª edição da Caminhada Noturna pelo centro de São Paulo.
Chovia e os termômetros marcavam 8°C. O vento era “como uma navalha nas mãos dum espanhol”.
Na rua, quase ninguém além dos bravos expedicionários, que portavam uma enorme bandeira amarela e arrastavam pela noite uma caixa de som numa bicicleta.
Desde setembro de 2005, o grupo se reúne todas as quintas, às 20h, para caminhada temática com a presença de especialistas em áreas como arquitetura, urbanismo e história. O evento é gratuito, dura cerca de duas horas e costuma agregar grupos de 50 a 100 pessoas.
No 399º passeio, o assunto foi a Revolução de 1932. No quadringentésimo, o foco foi o poeta, musicólogo e folclorista Mário de Andrade –o roteiro passou pela Biblioteca Municipal que leva seu nome e pelo primeiro parque infantil idealizado por ele (na praça da República).
Além de fundador do modernismo e figura central da vanguarda artística, Mário foi diretor do Departamento de Cultura da Prefeitura. Provavelmente gostava da cidade quase tanto quanto Carlos Beutel, 58, idealizador da caminhada e dono do restaurante vegetariano Apfel, que patrocina a iniciativa.
Ao lado do guia turístico Laercio Cardoso de Carvalho, ele comenta o passeio, define o trajeto e golpeia distraidamente os presentes com a bandeira oficial do grupo, que ganhou até um cabo extensor para evitar acidentes mais graves.
Carlos conta que, antes, comunicavam-se com um megafone. Hoje já possuem um “som motorizado”, que consiste num alto-falante com microfone transportados numa bicicleta. “Na caminhada de número 500 vamos inaugurar um trio elétrico.”
Nesses oito anos, os passeios guiados abordaram temas como maçonaria, Corinthians, Partido Comunista, grafite, Parada Gay, idioma guarani, Adoniran Barbosa, catadores de lixo, Minhocão e circo.
Entre os convidados destacaram-se os síndicos do Copan e do Martinelli, durante a celebração do aniversário da cidade, em 2010; e os diretores da Associação dos Criadores de Lobisomens de Joanópolis e da Sociedade dos Observadores de Saci, em 2011, quando o passeio especial à meia-noite reuniu mais de 600 pessoas.
A caminhada comemorativa terminou com pés molhados e pizza. “Enquanto o cinzento das ruas arrepiadas/ dialoga um lamento com o vento…”