Folha de S.Paulo
28 de setembro de 2013
por Raquel Cozer
Fragmentos de conversas ao telefone, festas e brigas entreouvidos no bairro do Mandaqui, na zona norte de São Paulo, ajudaram Vanessa Barbara, 31, a pensar a estrutura do romance “Noites de Alface”, que chega nos próximos dias pela Alfaguara.
É por meio de pistas esparsas sobre os vizinhos, entre constatações indiscutíveis e hipóteses fantasiosas, que Otto, recluso após a morte da mulher com quem foi casado por 50 anos, acompanha a rotina da cidadela onde mora.
“Não é bem bisbilhotar, porque as coisas chegam a você mesmo que não queira”, diz a escritora e colunista da Folha, referindo-se às paredes finas do Mandaqui, mas também ao exercício de investigação passiva do viúvo Otto.
Alexandre Rezende/Folhapress | ||
Vanessa Barbara no bairro paulistano do Mandaqui, onde ela mora |
Com tais pistas, o que se pretendia apenas um romance sobre a perda ganhou contornos de uma história de suspense –a certa altura, Otto começa a desconfiar de que sua mulher, Ada, e os vizinhos esconderam algo dele.
Vanessa tem quatro livros publicados, três deles em parcerias –o romance “O Verão do Chibo” (Alfaguara), com Emilio Fraia, o infantil “Endrigo, o Escavador de Umbigo” (34), com Andrés Sandoval, e a HQ “A Máquina de Goldberg” (Quadrinhos na Cia.), com Fido Nesti.
“Noites de Alface” é o primeiro romance solo, que lhe tomou dois anos de trabalho e cuja abertura lhe rendeu um lugar entre os 20 nomes de “Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros” da revista literária “Granta” (Alfaguara).
O título inusitado é uma referência a uma experiência frustrada de Ada, pouco antes de morrer: preparar chá de alface para o marido para ver se lhe curava a insônia.
INTERAÇÕES
Os moradores com quem Otto interage (ou a quem escuta) têm inspiração na vizinhança de Vanessa. É o caso, no livro, do sr. Taniguchi, que passou 30 anos lutando nas Filipinas depois de 1945 sem acreditar no fim da guerra.
O personagem, ela diz, foi “vagamente inspirado” em um antigo vizinho, que saiu de Hiroshima poucas semanas antes da bomba, e um ex-combatente real, Hiroo Onoda, que escreveu um livro sobre sua “guerra de 30 anos”.
O humor que prevalece nos textos da autora desde a estreia, com a reportagem “O Livro Amarelo do Terminal” (Cosac Naify, 2008), também está no romance, em personagens como Nico, entregador de farmácia obcecado por decorar os efeitos colaterais em bulas de remédio.
“Uma das piores coisas em literatura, e acho que em outras áreas também, é o hábito de se levar muito a sério, de se considerar muito sábio e profundo. Nossa literatura é muitas vezes prepotente demais e se valeria de maior leveza”, argumenta Vanessa.
Para ela, o humor deve ser inerente à postura das pessoas diante do mundo. “Costumo enxergar tudo por uma espécie de erro de paralaxe, achando graça no aleatório e deixando passar o que se considera ‘importante'”, diz.
NOITES DE ALFACE
AUTORA Vanessa Barbara
EDITORA Alfaguara
QUANTO R$ 34,90 (168 págs.)