Folha de S.Paulo – Revista sãopaulo
13 de outubro de 2013
por Vanessa Barbara
Sou entusiasta das reuniões de condomínio, esses congraçamentos buliçosos que ocorrem em edifícios e conjuntos residenciais, em geral marcados pela cizânia, pela falta de objetividade e pelas disputas de poder.
A assembleia de moradores é um microcosmo da sociedade, revelando muito da natureza humana quando em estreita convivência com seus pares – mais do que isso, pode ser vista como uma releitura, em pleno salão de festas, do clássico O Senhor das Moscas.
Há, por exemplo, a luta de classes entre “proprietário” e “inquilino”, em que o último não tem direito a voto e é tratado como um turista inconsequente e sem comprometimento com os interesses do imóvel.
Existe o pequeno poder exercido pelo síndico e a arrogância do morador entendido de questões administrativas, jurídicas ou de segurança, que faz questão de ironizar as decisões tomadas pelo conselho deliberativo, mas não propõe nada de concreto no lugar.
As principais características das reuniões são quatro: o desinteresse, a falta de quórum, a obsessão pela troca de azulejos do hall e, claro, a postura presunçosa de classe média que foi tão bem retratada no filme pernambucano O Som ao Redor.
Na cena, os condôminos discutem a demissão por justa causa de um dos empregados mais antigos do prédio, que se tornou “o pior porteiro da região metropolitana do Recife”.
Alguns dos argumentos a favor de dispensá-lo sem benefícios: “Eu tenho recebido a minha Veja fora do plástico” e “Aqui não é instituição de caridade”.
A maioria faz de tudo para não comparecer às reuniões, consideradas perdas de tempo. Só aparece quem tem alguma demanda ou questão a resolver, ou quem pretende recorrer de uma multa.
Como, por exemplo, as universitárias penalizadas em R$ 600 por facilitarem a “circulação de homens seminus pelo corredor”. Aconteceu num prédio onde morei e onde havia uma perpétua batalha entre a nova e a velha guarda. O argumento das meninas: “… Mas era uma festa da toga!”.
Ou o sujeito que queria usar a vaga de garagem para estacionar um cavalo, segundo o relato de um amigo que mora em Perdizes. “Como não aceitaram, ele tentou colocar um barco; como também não aceitaram, levantou, se disse perseguido por forças ocultas e nunca mais apareceu em reunião alguma.”
Inúmeras assembleias terminam em pancadaria. Ao ser menosprezado por sua condição de locatário, um morador partiu para as vias de fato com o síndico. Como o prédio estava em obras, houve até perseguição com uma barra de ferro.
E o que dizer de uma senhora que, após empreender um discurso confuso, terminou com a ameaça: “Cuidado comigo. Eu faço pilates”.
Pensava que o pesadelo das assembleias de condôminos era só em Portugal…