Folha de S. Paulo – revista sãopaulo
27 de outubro de 2013
por Vanessa Barbara
Há quem critique as manifestações populares porque atrapalham o trânsito – sobretudo quando são realizadas em locais como a avenida Paulista, “uma das principais artérias da cidade, repleta de hospitais e centros de negócios”, como se costuma dizer.
Para estes, os protestos deveriam se dar em um lugar delimitado e afastado do centro. As autoridades, alertadas com antecedência, marcariam a data num período à prova de importunação – domingo de manhã, quarta de madrugada ou no meio de um feriado prolongado.
A melhor ideia até agora veio da carioca Letícia Vargas de Oliveira Brito, que postou em seu blog (Livro da Lelê) as regras para uma passeata “organizada e bem limpinha” no Sambódromo.
Aqui vão algumas das propostas, com adendos de minha lavra.
Cada protesto terá 65 minutos para se apresentar. Os jurados avaliarão quesitos como: evolução, conjunto, harmonia e análise de conjuntura marxista.
Marcas de cerveja irão patrocinar o ato, que contará com a presença de celebridades nos camarotes VIP. Adereços como máscaras e óculos de natação serão obrigatórios, pois a cenografia vai demandar muito gás lacrimogêneo. Correntistas premium e portadores de cartões platinum terão 20% de desconto e prioridade na fila de entrada. Consumo de vinagre, só com moderação.
Servindo simultaneamente como abre-alas e saco de pancadas, a comissão de frente formada pelos black blocs será avaliada em quesitos como pirotecnia e vandalismo.
No início do desfile, o puxador de samba poderá gritar ao megafone: “Incendeia, black bloc”, e não será metafórico.
Na sequência, o bloco do Passe Livre entrará na avenida com um busão alegórico representando o sucateamento dos transportes. Logo atrás virá a ala dos Anonymous, que será julgada (sem direito a habeas corpus) pelos adereços e harmonia.
O bloco dos partidos vai levantar a arquibancada com palavras de ordem e terá direito a 32 casais de mestre-sala e porta-bandeira. As alas dos professores, dos bancários e dos estudantes da USP darão prosseguimento ao espetáculo, acompanhados por uma equipe de apoio formada por advogados ativistas e o GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular).
O bloco dos coxinhas terá passistas de camisa branca cantando o Hino Nacional, e a ala dos P2 marcará presença plantando provas ao longo do Sambódromo.
O desfile será televisionado pela Globo, com narração de Cléber Machado e comentários de Lecy Brandão.
(A Mídia Ninja perdeu os direitos da transmissão e só poderá filmar do lado de fora.)
A ala do Choque ficará posicionada no recuo da bateria e promete terminar o desfile arrastando a multidão.
O enredo será: “De Cabral a Cabral, nada muda na Geral”.
” (…)análise de conjuntura marxista.” Essa foi “felomenal”, hehehe. Gostei muito do texto :)