Folha de S.Paulo – revista sãopaulo
12 de janeiro de 2013
por Vanessa Barbara
Depois dizem que a prefeitura não faz planejamento. Pois vejam vocês: ao longo das últimas administrações, lenta e sistematicamente, colocou-se em prática um plano pioneiro em políticas públicas no bairro do Jardim São Paulo, zona norte da cidade.
De início, logo após a inauguração do metrô no bairro, em 1998, ficou definido que apenas uma linha de ônibus atenderia o ponto: 178Y/ Vila Amélia – Metrô Jardim São Paulo. Isso contrariava a expectativa de que a nova estação serviria para desafogar o sempre saturado terminal Santana, para onde convergem quase todas as linhas das redondezas.
E é assim até hoje. O itinerário de seis quilômetros do 178Y é percorrido em meia hora por uma frota de 13 micro-ônibus verdadeiramente intimistas, com capacidade para 21 pessoas sentadas (nenhuma delas acima do peso) e 12 em pé (sem sacolas). No interior das peruas, invariavelmente lotadas, é proibido amarrar o cabelo e vestir a blusa, por absoluta falta de espaço.
Entre os nativos, é lendário o comprimento médio da fila do micro-ônibus, que oscila entre o risível e o estratosférico. Nos horários de pico, o tempo de espera para embarque é de 50 minutos, com os veículos chegando e saindo quase que na mesma hora, abarrotados de sardinhas.
Inventiva, a população bolou um esquema inédito de duas filas: uma de passageiros que querem viajar sentados e outra de pessoas que irão em pé. A primeira corre junto à calçada e a segunda, perpendicular a esta, cruza o parque Domingos Luis. Um fiscal coordena a operação, fazendo a contagem dos passageiros e entoando os clássicos “sobe aí um degrau” e “um passinho para a frente, por gentileza”. Não raro, os que estão na fila dos sentados têm que ir de pé, e os da outra fila vão deitados em cima do motor, em posição de tatu-bola.
O ponto de ônibus é um abrigo robusto, dos antigos. Acaba de ganhar dois bancos de concreto que foram trazidos do meio da praça pela rapaziada, sempre preocupada com o conforto dos que esperam – três, quatro veículos – até conseguirem entrar.
Em decorrência dessa inteligente logística dos transportes (uma linha só, composta unicamente de micro-ônibus), o comércio informal de pipoca, milho, refrigerante, sanduíche de pernil, cachorro-quente e espetinho triplicou no entorno. Não há estatísticas oficiais, mas estima-se que o pipoqueiro Paulinho deve entrar para a próxima lista da Forbes.
É a Prefeitura de São Paulo incentivando os pequenos empreendimentos, a meditação zen-budista, o contato íntimo e a amizade entre os locais.
Eu ainda estou esperando de ver o povo pirar de verdade.Ainda nao conseguo acreditar na capacidade de soportaçao ds brasileiros.
A fila em duas camadas já é conhecida de outros saraus, às 7am nos Terminais Ana Rosa, Diadema, etecétera etecétera. Um engenho da vontade (ou necessidade) humana oscilante; por dias ia na fila dos empés, e outros na dos embundas: uma relação de forças entre pressa e cansaço.