Folha de S.Paulo – Cotidiano
13 de janeiro de 2014
por Vanessa Barbara
No estacionamento do shopping Metrô Itaquera, onze jovens de bermudas coloridas e tênis chamativos estavam sendo revistados. Tinham um olhar vazio e sem expressão; cederam as mochilas, os documentos e explicaram o que tinham vindo fazer ali: dar um rolezinho. O tenente encarregado da operação não encontrou nada de ilícito nos pertences dos jovens, em sua maioria negros e menores de idade. Explicou que a polícia estava abordando pessoas que pudessem ter vindo para o evento, pois tinha um mandado de proibição.
Anotaram o nome e endereço de todos e avisaram que, se causassem tumulto, seriam multados em 10 mil reais. Os adolescentes não me olhavam nos olhos e pareciam resignados. “Não vou embora não, quero ir ao cinema”, disse o calmo Rodney Batista, de 20 anos. No grupo de onze, apenas um deles tinha o olhar duro de quem estava engolindo a raiva.
Os chamados rolezinhos são encontros marcados pelo Facebook em que jovens da periferia vão para “curtir, tirar foto, catar mulher”. No sábado, foram 3 mil adolescentes cantando e circulando pelos corredores.
Não vi ninguém com armas; ninguém roubando, depredando ou fazendo arrastão. Ainda assim, a multidão era grande e os lojistas entraram em pânico. Em alguns momentos, houve corre-corre e repressão da polícia.
Segundo a opinião pública, trata-se de adolescentes infratores, bandidos com históricos de crimes; no melhor dos casos, vagabundos e desocupados que vão lá para causar tumulto, cometer delitos e assustar “gente de bem”. São tratados como tais pelas autoridades: passando pelo corredor, um policial repetia no ouvido de todos: “Eu vou arrebentar vocês, vou arrebentar” – e plaf, deu um chute no menino que estava do meu lado.
Eu pedi: “licença, gostaria de saber o nome do senhor, ouvi o que o senhor disse e vi o que fez”, ao que ele prontamente tirou a etiqueta de identificação e escondeu no bolso. Eu insisti em saber o nome, tentei tirar uma foto, recorri ao tenente e falei com outros policiais – todos identificados. Depois me acovardei e pensei que, bem, talvez ele tenha ficado assustado por ter sido flagrado, talvez tenha sido um momento de fraqueza do qual se arrependeu, ele é um ser humano… Pensei também que arrogar qualquer tipo de coisa – “eu sou da imprensa, olha só o meu crachá lustroso” – me rebaixaria ao mesmo nível dele, que usou do poder para fazer algo contra alguém mais fraco.
Vi gente filmando e sendo obrigada a apagar o arquivo, e mesmo a imprensa foi orientada a não registrar o que ocorria.
A gente fica só imaginando o que não devem fazer quando ninguém está realmente olhando.