Folha de S.Paulo – Guia da Folha
28 de fevereiro de 2014
por Vanessa Barbara
Tem o sujeito que pensa que está em casa e faz questão de comentar o filme inteiro em voz alta, perguntando para a pessoa ao lado: “O que foi que ele disse?”, “Mas matou de verdade?” ou “Ela é prima daquele de óculos?”.
Geralmente é o mesmo cidadão que desembrulha uma bala com extrema lentidão, oferece para toda a fileira e por fim decide comê-la, e é quando descobrimos se tratar de um caramelo toffee que passará ao menos 15 minutos sendo mascado vitoriosamente pelo meliante.
Tem o cara que come salgadinho de cebola no cinema, o que exagerou no perfume, o que está gripado e não para de tossir. Sem falar naquele que não desgruda do celular e faz questão de emitir uma luz celestial desde o início dos trailers, amigo de outro que ri pelo nariz, soltando um discreto, porém irritante, ronquinho.
Há quem chore de soluçar e por pouco não se ponha a assoar o nariz num ombro desconhecido; dentre os espectadores solitários, são muitos os que esperam o final dos créditos e o acender das luzes para caçar um olhar de cumplicidade e então comentar: “Pesado, né?”. Alguns assistem ao filme com a concentração de quem resolve um cálculo diferencial.
Quem senta na minha frente costuma ser alguém de 1,84 m com o cabelo fofo e um tique nervoso; quem senta atrás é um jogador de vôlei que cutuca as minhas costas com o joelho pontudo. Do meu lado direito, um sujeito que não compreende a cordial divisão do espaço útil do braço da cadeira —trata-se de um conceito simples que implica em dividir a área longitudinalmente, o que pode acarretar em um incômodo roçar de braços, ou impor uma linha imaginária de latitude a partir da qual eu me apoie na parte dianteira e ele encoste atrás, ou vice-versa.
À minha esquerda, sobra um sujeito que obviamente tem um bebê em casa e só está ali para dormir.