Folha de S.Paulo – online
14 de março de 2014
por Vanessa Barbara
Há menos de três semanas, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o comando da Polícia Militar de São Paulo classificaram como um “sucesso” a operação que terminou com 20% dos manifestantes detidos num protesto contra a Copa do Mundo.
No dia 22 de fevereiro, tropas cercaram e imobilizaram uma grande parcela do ato, sob a alegação de que havia “iminente e grave probabilidade” de vandalismo. De um total de mil participantes, 262 foram para a delegacia. Outros tantos acabaram perseguidos pelas ruas do centro, e houve ao menos uma dezena de feridos. O motivo do propalado êxito? Apenas duas agências bancárias foram depredadas.
Ontem à noite, durante a terceira edição do ato “Se Não Tiver Direitos, Não Vai Ter Copa”, houve só um ferido – um rapaz com um corte na cabeça que disse ter sido agredido por policiais na rua Vergueiro. Durante mais de quatro horas, em torno de 1,5 mil pessoas (segundo estimativas da PM) caminharam pela cidade criticando os gastos com a Copa e pedindo melhorias no transporte público. No trajeto de 10 km, foram escoltados por 2,3 mil policiais, motos, helicópteros e dezenas de viaturas. Praticamente nenhum tumulto foi registrado. Agora, sim, podemos dizer: a operação policial foi um sucesso.
Quem já contabiliza mais de uma dúzia de manifestações desde junho sabe de algumas coisas: primeiro, que há sempre uma forte tensão no ar, um equilíbrio muito frágil que pode explodir a qualquer momento por conta de uma cadeira tombada ou de um sujeito que espirra com desnecessária contundência. Segundo, que o final da manifestação é em grande parte ditado pela polícia. (Os black blocs representam uma parte pequena do conjunto, eu diria que uns 5%.)
Um exemplo: em dezembro do ano passado, o comando da PM informou que o ato não poderia ir até a avenida Paulista por causa da decoração de Natal, e que todos os que descumprissem a ordem seriam “envelopados” (cercados e detidos). Alguns conseguiram ir para o local de metrô e, após o reagrupamento, foram devida (e violentamente) envelopados. Em outra ocasião, a polícia formou uma barreira e impediu a golpes de cassetete o avanço da passeata. Em fevereiro, houve o infame cerco antecipado e a dispersão dos manifestantes com gás lacrimogêneo.
Desta vez, não houve cerceamento. Por volta das 21h, a manifestação, que subia a avenida Rebouças, chegou à Paulista, numa comoção vitoriosa de quem achava que não ia durar nem três quadras. Meia hora depois, em frente ao Masp, o momento que definiu o ato: uma linha de frente formada por jovens (mascarados e não mascarados) decidiu caminhar em direção ao bloqueio da Tropa de Choque. Alguns entoavam “uh, uh, uh”, um conhecido grito dos black blocs. A carnificina já era dada como certa, mas não desta vez: por algum motivo, a barreira policial cedeu e deixou a manifestação passar.
E assim foi: uma caminhada predominantemente pacífica até a praça da Sé, com buzinadas de apoio e incidentes pontuais. O vidro de uma agência bancária foi quebrado e cinco pessoas foram detidas. A polícia também acusou o lançamento de um rojão e um sinalizador. No meio de tudo, alguém perdeu um óculos de grau.
E, pela primeira vez em nove meses, a manifestação terminou, não foi “terminada”.