Revista Viagem & Turismo
Abril de 2014
por Vanessa Barbara
“Este certificado pertence a Vanessa Barbara, do Brasil, que acaba de enfrentar o medo e abraçar um estado de euforia pulando de bungee jump da ponte Kawarau, o primeiro ponto comercial de salto no mundo. Com a ajuda de uma corda de látex e uma dose de coragem, tal indivíduo realizou uma façanha e deixou de ser mais um zé-ninguém neste planeta.”
São esses os dizeres do diploma que ganhei após fazer um salto na Nova Zelândia, no mês passado. Ou seja: eu não passava de um zé das couves até aquele momento, quando deixei que amarrassem uma corda aos meus pés, subi numa plataforma estreita sobre o rio e mergulhei rumo ao estrelato. Naquele segundo, minha insignificância desapareceu e me enchi de glórias.
Só que a atividade me pareceu tão empolgante quanto comer um prato de mariscos.
O primeiro salto custa 180 dólares neozelandeses (R$ 350), o segundo R$ 90. Primeiro se deve assistir a um vídeo sobre a história do esporte – metade do grupo desistiu já nessa fase – e preencher os dados pessoais numa ficha amarela carinhosamente apelidada de toe-tag (nome das etiquetas de identificação amarradas ao dedão do pé dos cadáveres). Na sequência, há um processo duplo de pesagem. Ganhei um número vermelho na mão esquerda – meu peso, que me acompanhou pelo resto do dia e parecia aumentar quando eu comia demais; na mão direita, marcaram um número azul, que era o código para retirar as fotos após o salto.
Segundo a propaganda, 99% dos clientes afirmam que saltar foi a melhor experiência de suas vidas. É nisso em que eu tentava pensar deitada na plataforma, enquanto os funcionários atavam as minhas pernas e preparavam os equipamentos. Então pediram que me levantasse e chegasse bem perto da borda, o que só dá para fazer dando pequenos e ridículos saltinhos.
Os rapazes que coordenam a operação são chamados de jumpmasters. Eles me orientaram a olhar para a frente, onde havia uma câmera de filmagem, e depois para os meus amigos, que acenavam ao longe. Eu perguntei: “É só pular? É isso?”. Pediram que eu nunca olhasse para baixo, apenas para a frente. Naquele instante, tendo espiado com o canto do olho o rio que corria lá embaixo, todas as células do meu corpo sabiam que estavam fazendo pouquíssimo caso do próprio instinto evolucionário de autoconservação e perpetuação da espécie. À beira de um abismo de 43 metros, minha glândula suprarrenal implorava por clemência, meu sistema nervoso entrava em modo suicídio e o jumpmaster pedia: “Olhe para a frente. Respire fundo. Três, dois, um”.
Então obedeci e, durante a queda livre, tive a incômoda sensação de que o meu cérebro se descolava do crânio a uma velocidade de 80 km/h. Achei que fosse sofrer um aneurisma, senti um aumento brusco da pressão e tive uma forte dor de cabeça que durou o resto da tarde. Foi quando veio o primeiro puxão da corda, depois o segundo e o terceiro. No vídeo, pareço um desconjuntado boneco de posto, e me lembro de pensar: “Que bela ideia. Vou me fingir de morta e esperar que isso acabe logo”.
Então os funcionários vieram me resgatar num bote, eu me joguei no chão do barco feito um saco de batatas e eles perguntaram: “Primeira vez?”. Resposta: “Primeira e última”.
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Todo o marketing do bungee jump se concentra no mito da coragem. Na lojinha de Kawarau, há dezenas de produtos com os dizeres: “Eu consegui” e camisetas que exploram a covardia dos que não pularam: “I was too chicken”, diz uma delas (algo como “Fui um franguinho”, ou “Amarelei”).
Os jumpmasters são orientados a não empurrar ninguém, pois a atividade é sobre “decidir por conta própria”, segundo Henry van Asch, cofundador do AJ Hackett Bungy. “É uma aventura menos física e mais emocional e intelectual. Não chamamos de esporte, mas de desafio pessoal”, ele sublinha, em entrevista a um site. Alguns falam em “inspiração para a vida”.
Segundo antropólogos, o bungee jump surgiu numa tribo de Vanuatu como ritual de iniciação masculina, uma forma de impressionar e desafiar as mulheres. Só os homens pulavam, e quem não conseguia era tachado de covarde.
Na raiz do esporte, o bullying permanece até hoje, disfarçado de audácia.
No meu grupo havia um rapaz que não quis pular e estava confiante e tranquilo dessa decisão; foi o mais corajoso de todos porque enfrentou o julgamento alheio e não se deixou abalar. Não via grande interesse na atividade e contentou-se em fotografar os outros.
Na área de turismo, damos uma ênfase excessiva ao valor da experiência, embora a vida seja feita sobretudo de não experiências, de coisas que optamos por deixar de lado porque não queremos ou não podemos fazer: hipertensos e epilépticos não podem saltar de bungee jump, assim como diabéticos não podem se entupir de doces. Há uma série de aspectos da existência que independem do nosso arbítrio, ao contrário do que acontece dentro do ambiente controlado dos esportes radicais, onde nos sentimos super-heróis capazes de tudo. (Animado, meu guia declarou: “É uma sensação incrível! Você sai de lá achando que é capaz de tudo, tipo… tipo suicídio!”.)
A verdade é que esportes radicais podem ser empolgantes para alguns, mas decepcionantes para outros. Por isso não há lógica em constranger as pessoas, nem em relacionar tais práticas à tenacidade mental do indivíduo.
Pelo contrário: alguns psicólogos sustentam que, ao assumir riscos compulsivamente, as pessoas fogem dos verdadeiros riscos da vida; a ideia é produzir um falso senso de bem-estar e audácia ao encarar apenas perigos artificiais e voluntários. Numa situação de risco verdadeiro que exige coragem – posicionar-se diante de uma injustiça, por exemplo –, muitos agem com notável covardia.
São eles que praticam o bullying e precisam rebaixar os outros para se sentir melhores, brandindo um certificado que atesta a relevância existencial de alguém que pagou R$ 350 para mergulhar no vazio com uma corda nos pés.
Acho que teria exatamente a mesma experiência. Me imaginei: “Que bela ideia. Vou me fingir de morta e esperar que isso acabe logo”.
[…] Vanessa Barbara experimentando o bungee jump. […]
[…] – A coragem de amarelar, por Vanessa Barbara: “Na área de turismo, damos uma ênfase excessiva ao valor da experiência, embora a vida seja feita sobretudo de não experiências, de coisas que optamos por deixar de lado porque não queremos ou não podemos fazer: hipertensos e epilépticos não podem saltar de bungee jump, assim como diabéticos não podem se entupir de doces. Há uma série de aspectos da existência que independem do nosso arbítrio, ao contrário do que acontece dentro do ambiente controlado dos esportes radicais, onde nos sentimos super-heróis capazes de tudo. (Animado, meu guia declarou: “É uma sensação incrível! Você sai de lá achando que é capaz de tudo, tipo… tipo suicídio!”.)” > http://www.hortifruti.org/2014/04/15/coragem-de-amarelar/ […]
Caracas. Alguém obrigou você a pular ??? Pulou de graça ???
Então acredito ter pago o mesmo que os outros.
Quanta idiotice num texto só. Pulou e não gostou. Azar.
Afff
Sim, pulei de graça.