International New York Times
24 de abril de 2014
SÃO PAULO, Brasil – Pode um país misógino ter uma mulher como presidente? O Brasil é a prova disso. Depois de quase três anos e meio de administração de Dilma Rousseff, pouca coisa mudou para a mulher brasileira. O feminismo ainda é visto como um extremismo ridículo; a misoginia é racionalizada ou descartada como ironia, enquanto o estupro é trivializado, ou mesmo justificado.
Anos atrás, um comediante brasileiro brincou sobre a feiura das vítimas de estupro que viu protestando nas ruas. “Por que estão reclamando?”, perguntou. “O homem que fez isso não merece cadeia, merece um abraço”.
Alguns afirmam que foi só uma piada, mas claramente revela o que os brasileiros pensam do assunto: Vamos lá, homens e mulheres são iguais; não precisa fazer tanto estardalhaço.
Só que isso está bem longe da verdade. De acordo com uma pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 26% dos brasileiros concordam que a mulher que usa roupas curtas merece ser atacada. Na mesma pesquisa, 59% disseram que haveria menos estupro se as mulheres soubessem se comportar.
Todos os anos, o Brasil vende um Carnaval hipersexualizado para os turistas estrangeiros, tratando os corpos femininos como atração nacional. Meses atrás, o site de notícias G1 publicou uma trívia aos leitores: “De quem são esses peitos?”. Havia fotos de seios nus e seminus do desfile de Carnaval e os leitores tinham de adivinhar a que celebridade pertenciam. (Eu acertei quatro de dez, ou melhor, oito de vinte. Depois olhei para os meus próprios e fiquei um pouco deprimida.)
Somos uma nação obcecada pela beleza e magreza feminina à la Gisele Bündchen. O Brasil é o segundo maior do mundo em cirurgia plástica, com 1,5 milhão de operações por ano, perdendo apenas para os Estados Unidos. Somos também o segundo lugar em academias de ginástica, com 23.400 unidades. Por aqui, se você engorda um pouco, as pessoas passam a comentar; você se sente mal com o seu corpo e começa a hesitar na sombra das piscinas, como um hipopótamo tímido.
Recentemente vimos uma explosão de blogueiras de fitness cujo trabalho seria – teoricamente – oferecer dicas de saúde. Mas com frequência elas são acusadas de serem pagas para divulgar produtos de emagrecimento, como termogênicos e diet shakes. Segundo seus blogs, uma barriga negativa é a chave para a felicidade.
Essa pressão é dirigida sobretudo às mulheres, e os homens enfrentam menos críticas à aparência. Também seus salários são maiores que os nossos; eu ganho de 35 a 50% menos que os meus colegas homens, embora não possamos dizer que se trata de uma questão de gênero. Talvez seja só falta de talento.
Considerando o grau de atenção que a opinião pública dá ao formato das barrigas e dos peitos, e o quanto da indústria do turismo é baseada na beleza da mulher brasileira, o país parece ficar estranhamente sensível quando os outros tratam nossas mulheres como objetos. Por exemplo, achei um tanto hipócrita quando, recentemente, o Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) pediu que a Adidas parasse de vender camisetas da Copa do Mundo com conotações sexuais. Uma delas tinha a mensagem “Eu amo o Brasil”, mas o coração foi substituído por um par de glúteos de ponta-cabeça vestindo um fio-dental. A outra camiseta retratava uma garota de biquíni e o slogan: “Lookin’ to Score” [trocadilho entre fazer um gol e pegar uma mulher].
Em 2002, a secretaria de turismo do Rio de Janeiro reclamou quando “Os Simpsons” fez troça do país, insinuando que os programas infantis de tevê eram apresentados por mulheres seminuas fazendo movimentos sensuais. (Também mostrou táxis que trocavam o letreiro para “refém” – o que foi considerado um ultraje, embora eu pessoalmente ache bem engraçado.) Semanas atrás, “Os Simpsons” exibiram outro episódio sobre a Copa do Mundo no Brasil; continha uma porção de traficantes, funcionários corruptos e, mais uma vez, apresentadoras seminuas de programas infantis. Até agora não houve nenhum pronunciamento oficial, mas não me surpreenderia se houvesse.
Tudo isso são notas de rodapé em comparação a temas de maior gravidade. Em destinações turísticas como Rio de Janeiro e Salvador, a exploração sexual, o tráfico de mulheres e a prostituição são assuntos urgentes.
Aqui as mulheres lutam diariamente contra o assédio sexual, a violência doméstica e o abuso emocional. Em São Paulo, segundo a ONU, uma mulher é atacada a cada 15 segundos. Nos últimos meses, houve uma onda de casos de assédio no metrô; um grupo feminista chegou a distribuir agulhas para as passageiras, aconselhando-as a se defenderem.
Além disso, um relatório governamental de 2011 afirmou que 43% das brasileiras sofreu violência em suas próprias casas. Muitas delas, mesmo as mais esclarecidas, têm medo de denunciar o abuso.
Há mais de sete anos, o governo lançou uma lei federal aumentando as penas para a violência contra a mulher. Desde então, a Lei Maria da Penha – batizada em homenagem a uma mulher que foi alvejada pelo marido, ficou paraplégica e depois, ao sair do hospital, quase foi eletrocutada por ele, que continuou fora da cadeia por duas décadas – tem apresentado bons resultados. Mas ainda há muito a ser feito.
Aqui, como em outras partes do mundo, não há nada que se compare ao nó no estômago que as mulheres têm andando sozinhas, à noite, ao passar por um grupo de homens que para de repente de falar. Não há nada como ter medo do próprio marido. Esses são os momentos em que Dilma Rousseff não faz muita diferença.
Este texto foi publicado em inglês no International New York Times do dia 24 de abril de 2014. Tradução da autora.