Folha de S.Paulo – revista sãopaulo
27 de abril de 2014
por Vanessa Barbara
Nem todos conhecem a Brincadeira do Fusca Azul, tradição ancestral que consiste em socar vigorosamente o próximo ao avistar um automóvel da cor e marca supracitados.
Também chamada de “Punch Buggy” e “Beetle Bug”, a galhofa teve origem nos anos 60 como um inocente passatempo de estrada, e foi posteriormente capitalizada pela marca Volkswagen em comerciais de tevê. No livro The Official Rules of Punch-Buggy, Ian Finlayson e Michael Lockhart cogitam que a brincadeira tem raízes no Egito antigo, o que obviamente se trata de uma graçola.
A prática é regida por um único mandamento: “O primeiro a vislumbrar um fusca azul no caminho tem o direito de aplicar um soco no ombro de quem estiver nas redondezas, gritando com fervor: FUSCA AZUL!”. Ao perdedor é vedado retribuir o golpe, a menos que aviste outro VW de tom cerúleo.
Quanto à força utilizada, devem-se observar os preceitos de proporcionalidade, sendo, portanto, pouco recomendável nocautear uma velhinha frágil que atravessava a rua quando, no horizonte, surgiu um garboso “besouro” azul. Inimigos de longa data devem aceitar a brutalidade da pancada como uma dessas coisas da vida que não se pode contestar, como as saladas com rúcula e o time da Portuguesa.
É válido golpear desconhecidos e desafetos sob tal justificativa, embora não conste (ainda) uma cláusula no Código Penal que conceda ao avistamento de um fusca a condição de atenuante em casos de lesão dolosa, sobretudo na região escapular. Alguns juízes, porém, já legislaram a respeito, como no caso “Meirelles vs. Coutinho”, em que este foi acusado de agressão ao colega, mas uma testemunha corroborou o avistamento do fusquinha.
“Mas o senhor réu chegou a gritar: ‘Fusca Azul’?”
“Sim, meritíssimo.”
“Então o declaro inocente. Estão dispensados.”
Outras normas da modalidade dispõem sobre falsos avistamentos; nesse caso, há duas saídas: a vítima pode imediatamente conferir um soco duplo em seu carrasco ou contabilizar o dano sofrido como bônus para o próximo fusca que lhe escapar da vista.
Nas regiões mais abastadas de São Paulo, tem sido cada vez mais difícil vislumbrá-los, mas os fuscas azuis ainda abundam nos rincões da Zona Norte. (Outro dia vi um fusca azul ao lado de uma Kombi verde, e pensei que teria razão em dar uma voadora em alguém, coisa que só não fiz por falta de normatização a respeito.)
A verdade é que não há tristeza maior do que ver um fusca azul e não ter ninguém por perto a quem comunicar tal alegria. Ainda assim, sempre existe a opção de comprar um e passar bem devagar em frente a uma escola, só para ver a magia acontecer.
Pode ser mesmo que nem todos conheçam a famigerada galhofa do besouro ciano. De fato pouquíssimos, no entanto, tiveram a oportunidade de ser iniciados na versão mais obscura dessa molecagem. Reza a lenda que o impúbere iluminado que avistasse um Volkswagen, modelo Fusca, COR ROSA, teria o direito desferir 3 vezes 3 mais 1 socos no ombro de qualquer ser vivo adjacente no momento da façanha – desde que este fosse dotado de um ombro, e com a condição implícita de que não fossem seus pais.
Ou – me dei conta enquanto escrevia – isso tudo era só uma piada interna da moçadinha da escola para comigo: um garoto um pouco inocente e daltônico, que um belo recreio selou para sempre seu destino ao confundir um Gelouko magenta com um verde.
Tenho um álbum no facebook chamando “Magia” com uma coleção de fotos de fuscas azuis, inclusive de imagens acidentalmente encontradas no streetview. Tentei ensinar dona mãe brincar, mas parece que ela não entendeu bem… Levei um soco acompanhado de “palio verde!”
hahah tem uma regra que diz: “mãe pode”.
Parei de ler quando usou a palavra “GALHOFA”, antipatia de você.