Folha de S.Paulo – online
30 de abril de 2014
por Vanessa Barbara
Ontem à noite houve, em São Paulo, mais um protesto “Se Não Tiver Direitos, Não Vai Ter Copa”, que reuniu cerca de 800 pessoas nos arredores da estação Tatuapé do metrô. Por mais de quatro horas, o grupo seguiu em marcha até a praça da Sé, ladeado por um contingente policial duas vezes maior do que o próprio ato.
A marcha foi teoricamente pacífica, que é o que se diz quando não há vidros quebrados, lixeiras amassadas ou veículos em chamas. Ainda assim, o trajeto de oito quilômetros foi dominado por forte tensão, entre a insegurança geral e a certeza de que não chegaríamos ao final.
Desde o início, ainda na rua Tuiuti, a polícia impediu a passagem dos manifestantes com cordões de homens, motos, viaturas e a Tropa de Choque. Fecharam a saída para a Radial Leste, assim como todas as ruas do entorno, num cerco sem sentido que só não acabou em tragédia porque, após aproximadamente meia hora, a passagem foi enfim liberada. Cerco após cerco, os manifestantes abriram caminho por ruas laterais e conseguiram chegar à Radial, onde, com o alargamento do espaço, os ânimos se acalmaram. Dois helicópteros sobrevoaram a região durante boa parte do tempo. O ato seguiu o caminho original, em direção ao centro.
Segundo a Polícia Militar, antes do início da caminhada, três adolescentes foram detidos com facas e estiletes.
Por volta das 23h, houve um momento crítico em que a polícia tentou deter um manifestante e ameaçou ir para cima dos que foram reclamar. Duas garrafas de plástico foram atiradas contra as autoridades, que revidaram com spray de pimenta e golpes de cassetete. Um rapaz ficou ferido e foi atendido pelos socorristas do GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), mas, antes que a confusão se instaurasse, os próprios manifestantes pediram calma e prosseguiram.
Nesse momento, um policial sugeriu que “descessem a porrada nesse bando de lixo”, mas, por sorte, não foi atendido.
Pouco antes, outro policial confessou, em off, que concordava com os protestos e só queria que os manifestantes chegassem bem —e assim foi. Conforme pregava uma pichação vista no caminho, o tom do ato foi: “Sem desorde aqui” (sic), pois, afinal de contas, a opinião pública vira as costas quando há confusão.
Foi uma das lições que os manifestantes aprenderam no decorrer dos cinco últimos atos: primeiro, que a opinião pública não liga tanto para gente ferida, mas abomina fervorosamente a brutalidade contra vidros de banco. Segundo: que ninguém pode fazer movimentos bruscos para não alarmar as autoridades. Terceiro: que uma das definições mais amplas de “confronto” é quando civis desarmados apanham a valer, ainda que não revidem.
E, por último, que o tempo de reclamar contra os gastos públicos na Copa foi há sete anos e que agora aparentemente não há mais razão de fechar avenidas e perturbar a ordem pública, e que portanto todos os que estão na rua a essa altura do campeonato são massa de manobra do neofascismo / do comunismo / do reumatismo, e precisam é de louça pra lavar.
Em todo caso, o protesto foi pacífico, então, para todos os efeitos, praticamente não existiu.