Expressen

Jornal Expressen (Suécia)
1 de junho de 2014

por Vanessa Barbara

Se você pretende participar de uma manifestação no Brasil, é melhor trazer capacete, máscara de gás, óculos de proteção e uma dose extra de coragem na mochila. Você também vai precisar de um documento de identificação e do telefone de um advogado; é recomendável usar tênis de corrida, capa de chuva e roupas velhas – não vista nada preto ou poderá ser confundido com um black bloc. A não ser que você seja mesmo um black bloc: neste caso, esteja pronto para tomar uns socos.

Na verdade, mesmo que você seja um herdeiro pacifista de Mahatma Gandhi, distribuindo flores e tocando a mridanga, esteja preparado para tomar uns socos. Às vezes, nossos protestos se assemelham a guerras: alguém dispara insultos contra a polícia, eles respondem com uma bomba de gás, outro atira pedras nas tropas, e eles passam a atacar todo mundo que estiver em volta, prendendo igualmente cachorros e hidrantes. Muitas vezes um espirro mais forte parece suficiente para dar início à guerra.

Até o momento, em São Paulo, houve seis manifestações contra a Copa do Mundo da FIFA 2014 (além de outros protestos por melhores hospitais, escolas e transporte público). Cada uma delas reuniu em média mil pessoas escoltadas por dois mil policiais, cujo trabalho é manter a ordem a qualquer preço.

Mais manifestações são esperadas nas próximas semanas – contra o gasto abusivo nos estádios, os despejos forçados, a violência policial, a corrupção e a desigualdade. O governo está à beira de decretar estado de emergência, numa medida desesperada para proteger os turistas de cenas de violência e caos, sobretudo dos manifestantes, retratados num recente manual do Ministério da Defesa como “forças opositoras”.

Dois deles já foram presos segundo a antiga e obsoleta Lei de Segurança Nacional, um ordenamento fabricado durante o regime militar. Embora alguns tenham de fato depredado agências bancárias, foram acusados de terrorismo, não de vandalismo. O Congresso Nacional está examinando uma nova lei anti-terrorismo para enquadrar aqueles que “provocarem ou infundirem terror ou pânico generalizado”, uma definição ampla o bastante para incriminar qualquer um nas ruas.

Cinco meses atrás, no primeiro ato contra a Copa do Mundo, houve 128 pessoas detidas. No ato seguinte, 230 pessoas foram levadas às delegacias – mais de 20% de todo o protesto. A lei brasileira proíbe a prisão arbitrária, restringindo as detenções aos que foram pegos em flagrante ou àqueles para os quais foi devidamente expedido um mandado. Mesmo assim, é comum a prática da detenção “para averiguação”. Caso o sujeito se oponha, poderá ser acusado por resistência ou desacato.

Não raro, as forças policiais impedem os advogados de acompanhar as detenções. Também proíbem jornalistas de filmá-los e bloqueiam o trajeto dos protestos com argumentos convincentes, tais como: “Se insistirem em continuar nesse rumo, vamos ‘envelopar’ todo mundo”. Alguns policiais trabalham sem identificação. Certa vez um capitão justificou a transgressão dizendo: “Nós conhecemos todo mundo na tropa, se tiver algum problema é só vir falar comigo”.

Na visão da polícia, tais medidas são necessárias para a proteção da própria tropa e dos “cidadãos de bem”, enquanto manifestantes denunciam abusos frequentes. E assim ambos se veem cada vez mais como inimigos. Cada marcha começa com dúzias de viaturas, motocicletas e helicópteros zunindo ao redor e intimidando de antemão os presentes. Tropas de choque se posicionam na frente, na retaguarda e ao redor das massas, cercando-as. Policiais inspecionam mochilas e fecham estações do metrô. O próprio ar parece belicoso, enquanto os desavisados buscam abrigo e os policiais erguem seus escudos e baixam suas viseiras. Os black blocs também cobrem seus rostos, protegendo assim suas identidades da polícia e seus pulmões das bombas de gás.

Em geral, os manifestantes concordam em marchar pacificamente, mas por vezes uma garrafa é arremessada ou um grupo começa a quebrar as vidraças de um banco, provocando assim uma reação policial indiscriminada. Os mais ferozes respondem com chutes ou atirando mais objetos na polícia, enquanto outros erguem as mãos de modo pacífico – todos são igual e democraticamente atacados com gás, espancados e presos, incluindo jornalistas e advogados. Aqueles que buscam abrigo nas estações do metrô ou dentro de hotéis, mesmo com o consentimento dos proprietários, veem-se muitas vezes encurralados e detidos. Todos são então colocados em ônibus e transferidos para alguma delegacia – nunca é divulgada exatamente qual. Lá os manifestantes são fichados e acusados de vandalismo, terrorismo, associação criminosa e/ou corrupção de menores. Às vezes lhes fazem perguntas sobre seus posicionamentos políticos e conexões com movimentos sociais. Alguns são obrigados a assinar um papel em branco, antes de serem liberados.

Meses atrás, manifestantes fichados em protestos anteriores foram convocados uma hora antes do novo ato, numa tentativa confessa de esvaziá-lo. Embora a polícia esteja oficialmente investigando aqueles que incendeiam lixeiras ou destroem propriedade privada, nenhum policial foi condenado por violência excessiva ou abuso de autoridade em manifestações no último ano. Nesse período, dois manifestantes ficaram cegos de um olho após repressão policial – um estudante de dezoito anos e um fotojornalista – e outro perdeu quatro dentes. (Ele afirmou que os policiais foram tão violentos que conseguiram torcer o pino de titânio de um de seus dentes.)

Intimidação e violência são as duas principais armas para a manutenção da disciplina nas ruas durante a Copa do Mundo. Então, se você pretende vir ao Brasil em breve, é melhor ter seu ingresso sempre à mão para mostrar aos policiais – fora isso, além do repelente, convém trazer máscaras, óculos e capacete. Só para garantir.


Este texto foi publicado originalmente no jornal Expressen, da Suécia, no dia 1 de junho de 2014. Tradução do original em inglês: Giovane Salimena.